quarta-feira, setembro 10

Olá Susana. Vou visitar-te, sim. O teu olhar continua tão brilhante como o dos teus gatos. (reed.)

"National Catographic Magazine – fotografia", de Susana Neves, estará patente de 13 de Setembro (inaugura às 15 horas) a 8 de Novembro, na Galeria Diferença, em Lisboa.

Mostra um conjunto de 14 fotografias macro sobre o corpo do gato enquanto paisagem e ainda as metamorfoses de uma pétala transformada em signo.

Depois de "Viagem ao Pólen Sul", dedicada à "ars combinatoria de pétalas e folhas de flores silvestres", patente na Nouvelle Librairie Française ter "mostrado as flores como nunca as tínhamos visto" (Jornal Público de 9 de Maio de 2007), esta segunda exposição de fotografia «evita os VICs (Very Important Cats) e em vez do gato clássico, à maneira de Brassai ou Doisneau, propõe o "gato eléctrico". «National Catographic Magazine é um ensaio fotográfico sobre as subtis coreografias da imobilidade. Não havendo qualquer intervenção sobre a imagem instala-se o indecidível da sua realidade», explica Hikaru Katashi, autor do texto da exposição.





COMO ACABAR DE VEZ COM FOTOGRAFIAS DE GATOS

“LOGO nos primórdios da fotografia, era extraordinariamente difícil fotografar gatos porque nenhum estaria disposto a permanecer imóvel as seis a oito horas necessárias por forma a sensibilizar a heliografia ou o daguerreótipo. Mas, assim que a tecnologia foi aperfeiçoada e o tempo de exposição reduzido, as fotografias de gatos tornaram-se tão populares e transversais que a partir de meados do século XIX, em França, surgiu uma palavra, ao mesmo tempo crítica e elogiosa, para as designar: chatographies.
A chatographie ou “gatografia” cativou também alguns grandes mestres fotógrafos do século XX, como Kertész, Brassaï, Doisneau, Bresson, Boubat, só para mencionar alguns dos mais conhecidos, mas o pequeno temível felino neles sempre apareceu em mise-en-scène mais ou menos deliberada, enquadrado numa paisagem urbana ou rural, junto de celebridades da literatura, artes ou cinema — falamos obviamente dos “VICs”, Very Important Cats —, ou no universo doméstico do próprio fotógrafo, muitas vezes acompanhando-o para a eternidade num auto-retrato.
Parado ou em movimento, em pose ou surpreendido, aterrorizado ou ameaçador, numa qualquer situação peculiar, inspiradora de ternura, terror ou comicidade, no entanto, nenhum desses gatos foi entendido como uma paisagem, um corpo incógnito, composto de territórios desconhecidos, não intervencionados pelo Homem, como agora acontece em “National Catographic Magazine”, de Susana Neves.
As “gatografias”, expostas na Galeria Diferença, não cumprem, porém, uma função meramente documental, nem retratam seres inventados, transicionais, a caminho de um Bestiário surreal como acontece em “Fauna”, 1988, de Joan Fontcuberta. São mais desertos de gatos, ou cordilheiras e florestas, descobertos num gato sem mestre, nem cenário outro que a ausência de cenário.
A artista quis olhar para os gatos como se fossem flores. E para as flores como se tivessem todas as qualidades felinas clássicas, o mistério, a leveza, a subtil densidade, a capacidade de voo e outras não nomeáveis, a não ser por recurso à arte aristocrática da poesia. Assim, o outro conjunto de imagens de “National Catographic Magazine”, as metamorfoses de uma pétala transformada em signo, em vez de provir de um herbarium inventado, como acontece no trabalho do fotógrafo catalão, explora os pontos de contacto entre duas realidades exógenas.
“National Catographic Magazine”, com as unhas todas de fora, às vezes, e noutras com um toque macio e pérfido, extraterritorializa a história da representação dos gatos e a das flores na fotografia (cuja primeira experiência foi “Viagem ao Pólen Sul”, 2007) e acaba por também ser um ensaio sobre as subtis coreografias da imobilidade, aquelas que o olhar endógeno e criador ficciona a partir da natureza, considerada como escrita natural. Não havendo qualquer intervenção sobre a imagem instala-se, indecidível, o mistério da sua realidade.

Hikaru Katashi

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