terça-feira, dezembro 15

Esta Lisboa que eu amo ... (reeditado)


À memória da minha mãe, alfacinha, que sempre me falou desta cidade da Luz!























«É esta a cidade que o destino
te reservou. Uma cidade de

gente dura cuja maior
extravagância é um vaso

de sardinheiras na janela
de um ou outro edifício.

Tinhas sonhado com uma
cidade branca mais a sul

Esta cidade não é uma cidade
é um vício.

Porto de Abrigo, Jorge Sousa Braga
in Poemário, 2007

Imagens: Sta. Apolónia
Capela de S. Amaro, Lisboa








Lenda de Lisboa


Ora conta a lenda que a costa que hoje é a de Lisboa, tinha um estranho nome: Ofiusa - que quer dizer "Terra de Serpentes". As serpentes tinham a sua rainha. Uma rainha muito estranha, metade mulher, metade serpente...senhora de um olhar feiticeiro, e de uma voz muito meiga.

Às vezes, esta estranha rainha subia ao alto de um monte e gritava ao vento, só para que pudesse ouvir a sua própria voz:

"Este é o meu reino ! Só eu governo aqui, mais ninguém! Nenhum ser humano se atreverá a pôr aqui os pés: ai de quem ousar!Pois as minhas serpentes, não o deixarão respirar um minuto sequer!".

De facto, durante muito tempo, ser humano nenhum se aventurou a desembarcar nesta costa que ela pensava que estaria amaldiçoada pelos deuses e também pelos homens.

Porém um dia, vindo de muito longe, um herói lendário chamado Ulisses, famoso pelas suas aventuras guerreiras, atracou na cidade.

Ficou deslumbrado com as belezas naturais que viu e ao desembarcar subiu a um monte, e com a sua máscula voz, gritou ao vento:

"Aqui edificarei a cidade mais bela do Universo ! E dar-lhe-ei o meu próprio nome: será a Ulisseia, capital do Mundo !"

E a sua profecia concretizou-se... e hoje, embora não tenha o nome dado pelo herói mitológico grego "Ulisseia", é uma das mais belas cidades do Mundo, e chama-se LISBOA.


Cit. a partir de http://lisboa.blogs.sapo.pt


ET: Apenas uma nota, quando se afirma no texto acima que Lisboa já não é Ulisseia, não é uma informação totalmente correcta. Há quem afirme que Lisboa seja uma corrupção de Ulisseia, que, no tempo dos Romanos, derivou para Olissipo e que originou o topónimo Lisboa.
No entanto, vale a pena retomar a história, melhor, a lenda, tal como nos foi contada pela Monarchia Lusitana e pelos historiógrafos alcobacenses.
E mais ainda há quem afirme que as sete colinas mais não são do que nós da serpente...e quem relacione diga que ocupação de sete colinas advém de uma relação com a fundação mítica de Roma, também ela cidade de sete colinas.

Mas independentemente desta proveniência lendária popular foi Frei Nicolau de Oliveira (...) empenhado em arranjar um paralelo apressado com a cidade de Roma que as referiu pela primeira vez no século XVII. Com o crescimento urbano, estendeu-se a outras elevações e, no século XVI, Damião de Góis já a descrevia espalhada por cinco colinas: Esperança, São Roque, Sant'Ana, Senhora do Monte (ou Santa Catarina do Monte Sínai) e Castelo (ou São Jorge).

cit. a partir de Wikipédia



Quanto a Ulisses, diz-se que:

Após a guerra de Tróia, Ulisses e os seus companheiros teriam sido surpreendidos por uma tempestade junto a Gibraltar, franqueado as Colunas de Hércules e rumado a norte, tendo sido os primeiros gregos a avistar as costas de França e de Inglaterra. Nessa viagem, no fim da qual encontrou a morte, uma das paragens do herói teria sido no estuário do Tejo, pelo que o antigo topónimo Olissipo teria precisamente o significado de «onde Ulisses passou». Trata-se de um dos mitos preferidos dos poetas portugueses da Renascença, ao qual Camões consagrou várias estrofes d’Os Lusíadas, e cujas referências remontam a um autor romano, Caius Julius Solinus, a quem se devem muitas outras lendas. O assunto foi tratado por Dante, que na sua Divina Comédia se refere à tempestade, mas que não acreditava que Ulisses tivesse passado o estreito de Gibraltar.

A descoberta de prováveis vestígios de um templo grego na colina junto ao Tejo fez com que os eruditos portugueses do séc. XIX recuperassem a lenda da fundação de Lisboa por Ulisses, pelo que a partir daí o mito passou a fazer parte da história da cidade. Contudo, que eu conheça, não existe nenhuma estátua em Lisboa dedicada a Ulisses.


Cit. a partir de http://insoniasoniricas.net

O que levaria a que os autores atribuissem a fundação de Lisboa ao Herói Ulisses, já se questionaram muitos, mas vale a pena atender às palavras de Aires A. Nascimento:

«Olisipo (situada nesse promontório em que só o horizonte separa as terras e o mar – Plin., Nat. 2. 14, 4, 113) representa, a Ocidente, essa cidade de finisterra, onde os homens se detiveram frente ao Oceano – olhando o futuro (como enunciou em dias mais próximos de nós o poeta Fernando Pessoa) e imaginando o passado como garantia de êxito. Tem essa cidade traços da romanização, embora não tão largos como os de outras cidades – nomeadamente Mérida, a antiga capital da província da Lusitânia, a que Olisipo pertenceu administrativamente. Tem a cidade um nome que remonta a outras gentes; a ele se tem procurado inutilmente dar significado transparente, mas a etimologia não é segura e não permite assegurar motivação certa quanto a uma interpretação correspondente a factores geográficos (acidentes orográficos ou amenidade climática)».



(...) Segundo os geógrafos, Olisippo representa no extremo ocidental a transposição de um processo urbano que, “começado no Levante, se estende pouco a pouco a todo o mar interior e transbordou para as costas oceânicas mais próximas”.Porque lhe foi associado o nome de Ulisses, o herói grego que, segundo os poemas homéricos,não terá passado de Ogígia, algures no Mediterrâneo?

Ulisses é o herói dos limites – ultrapassados ou negados, mas, ao menos enfrentados: é atirado para além dos “homens que comem pão”; não fica pelos “espaços dos homens afastados”, como Menelau; entra “nos espaços dos não-humanos” – tanto do mundo animal (corre o risco de ser transformado em irracional por Circe) como do mundo divino (Calipso promete-lhe a imortalidade) e do mundo dos mortos (onde consulta Tirésias), tendo tido para isso que passar para além da corrente do Oceano que rodeia a Terra.
Segundo a elaboração de Dante (Inferno, XXVI), Ulisses é o homem fascinado pelo desconhecido e condenado por acrescentar a outras culpas a de incitar os seus companheiros a buscarem tal desconhecido sem virtute e conoscenza, ultrapassando, em follo volo, as Colunas de Hércules, limite previsto por Deus para o mundo dos homens.


Ulisses em Lisboa: mito e memória
AIRES A. NASCIMENTO
Academia das Ciências de Lisboa (Classe de Letras)

Ulisses em Lisboa: mito e memória

AIRES A. NASCIMENTO

Academia das Ciências de Lisboa (Classe de Letras)

http://andre.catus.net/blogue/AcademiacienciasULISSES2.pdf


Por sua vez, Fernão de Oliveira (OLIVEIRA, Fernão de, História de Portugal, in José Eduardo Franco, O Mito de Por tugal: A primeira História de Portugal e a sua função política, Lisboa, Roma Editora e Fundação Maria Manuela e Vasco de Albuquerque d’Orey, 2000, pp. 349-494) «Vem a discutir a filologia de algumas cidades, como Lisboa – mas recusa a filologia mítica que a associa à fundação de Ulisses; não Olissipo, mas Polishyppo: cidade de cavalos, por ali haver procriação de equídeos –, e a remontar a monarquia portuguesa a uma estirpe, cuja fidalguia identifica com
os começos da proto-história peninsular, assim assinalando a antiguidade de Portugal e dos Portugueses sobre Castela e as outras províncias ibéricas.
A alusão de Fernão de Oliveira a Camões, patente na filologia de Lusitânia, que rejeita, refere-se certamente ao canto terceiro de «Os Lusíadas», em que Vasco da Gama, ao descrever a Europa e a localização de Portugal, narra a
história dos Portugueses, descendentes do deus Luso, filho de Baco, a quem se deveria a fundação de Portugal. Mais incomum é a rejeição da fundação mítica de Lisboa por Ulisses, de certo modo assegurada por Pompónio Mela, Gaio Júlio Solino e Marco Terêncio Varrão, fontes que devem ter estado na origem da mesma atribuição na quinta estrofe do canto oitavo do poema de Camões. De todo o modo, Oliveira podia ter encontrado em Varrão fundamento para a tese, já que este refere a fantástica reprodução de algumas éguas, no Monte Tagro (provavelmente Monte Sacro, o actual Monsanto), que emprenham do vento».

Manuel Cândido Pimentel, O MITO DE PORTUGAL NAS SUAS RAÍZES CULTURAIS, Manuel Cândido Pimentel.
https://www.om.acm.gov.pt/documents/58428/182327/3_PI_Cap1.pdf/a7cc8b00-a32a-41a7-b70b-6d28614cbcc5



Fotografia de Mariana Lampreia


Acima: Fotografia de Luís Brás.






À memória de minha mãe que me ensinou a amar Lisboa.

Segundo o geógrafo Estrabão, “No primeiro tramo do rio Tejo podiam navegar os grandes navios de carga, enquanto que as pequenas barcas, chegavam a Moron” (Estrabão III) “O Tejo com 20 estádios de largura na […]


“O Tejo tem na foz uma largura de cerca de vinte estádios e uma tão grande profundidade que pode ser navegado por embarcações de dez mil ânforas de capacidade
[…]
O rio, por outro lado, é abundante em peixes e está cheio de moluscos” 
Estrabão, Geografia. III.3.1

E assim se lhe refere Plínio: «Uma embaixada de olisiponenses, para esse efeito enviada, anunciou ao imperador Tibério que tinha sido visto e ouvido, numa gruta, tocando búzio, um Tritão cuja forma é bem conhecida. Também não é falsa a ideia que se tem das Nereides, com o corpo coberto poe escamas, mesmo na parte em que têm figura humana. De facto, também na mesma costa se avistou uma em agonia e cujo canto triste os habitantes ouviram ao longe».
Plínio (N.H. 9,9). Versão comentada por Amilcar Guerra, Edições Colibri, 1995.


«O Tejo dista do Douro duzentas milhas, ficando entre eles o Munda. O Tejo é famoso pelas suas areias auríferas. Distando dele cento e sessenta milhas, ergue-se o promontório Sacro, aproximadamente a meio da parte frontal da Hispânia». (Plínio H.N. 4, 115).


Diz-nos Varrão que (...) entre o Anas e o Promontório Sacro habitam os Lusitanos. para lá do Tejo, as mais notáveis cidades da costa são Olisipo, célebre pelas éguas que concebem do favónio, Salácia, cognominada urbs Imperatoria, Meróbriga e, entre os promontórios Sacro e Cúneo, os ópidos se Ossónoba, Balsa e Mírtilis», (Plínio H.N. 4, 116).
«Nas margens do rio fortificou Olisipo para ter mais livre o curso da navegação e o transporte dos víveres (...) O rio é muito rico em peixe e abundante de ostras» (Estrabão, Livro 30, I Parte), diz-nos Estrabão referindo-se a um dos momentos da conquista da Lusitânia por Décimo Júnio Bruto, em finais do século II a.C., quando encontra junto ao estuário do Tagus a antiga povoação de Olisipo, entreposto de Fenícios e Gregos.






 



Lisboa vista a partir de Almada. 

O Padrão dos Descobrimentos

Voltarei sempre para vos falar da minha cidade das sete colinas, essas que, diz a lenda, se formaram dos nós contorcionados da rainha das serpentes, Ofiusa, quando se viu enganada por Ulisses que aqui gostaria de ter fundado Ulisseia, a mais bela capital do Império.

http://cronicas-portuguesas.blogspot.pt/2007/09/etimologias-populares-ii-lenda-da.html

Mas regressarei sempre a esta cidade do fado, de Pessoa, do diletante Garrett, de Almada e do que nos deixou espalhado pela cidade e de tantas gentes mais, porque é bom, pela tardinha, recordar esta Lisboa de tantas escalas, a das vielas tortuosas que às colinas se agarrou, a que foi cortada, aplanada desde que Roma a tomou, por terraças grandes onde o poder implantou os seus lugares amplos ou mesmo esmagadores. 



Foram primeiro os fora e os templos, os teatros onde se falava latim. Nas tuas colinas e ruas há lápides que nos falam de tribunos e de deuses que aí marcaram o tempo, a crença e o poder.





Foi mais tarde a Sé, edificada sobre escombros de antigos, e os conventos que aplanaram Lisboa, na Graça e na colina matricial.
Ou a Baixa, onde Roma conquistara as suas indústrias pesqueiras os seus portos e Pombal transformou em ruas direitas e amplas.
Sim, vou ouvir falar de partir e de chegar!


Porque Lisboa .....






a cidade que habito e que mora em mim
tem um rio, tem o mar e tem um porto,
onde, de longe, chegam "novas"
para o mundo partem com uma mão cheia delas
vazios, por vezes, ficam os corações
mas sei que as palavras, as imagens
recherão esta cidade que aprendi a amar

nela canta baixinho um fado chorado,
nos dias em que a saudade espreita

a minha cidade não é feita de papelão,
mas de vozes, de risos, de choros
dos marinheiros a entrar e a sair que Amália cantou
de ruas e vielas onde habitam gentes
com as suas histórias pela mão.

fala-me de ti, de nós
sabes bem que poderei mergulhar
silenciar até, se preciso fôr,
mas nunca me esconderei de mim, nem da Luz destes lugares
não, nunca amordaçarão o rio
nem a custo de paredes ou paredões
ele correrá sempre o curso que tem que ser feito
até que o Atlântico o vá acolher.

e o tempo apenas passa no compasso desse abraçar
porque, sabes bem, este rio ninguém consegue parar.

nem o Adamastor o consegue amedrontar

a cidade que eu habito tem as colinas, a Luz, o Tejo e o Mar

e cheira, cheira como nenhuma a sardinhas
ou manjerico
e tem tapetes liláses pejados no chão



Lisboa a partir de Almada

Venho trazer-vos um pouco da Lisboa dos poetas, dos maiores que tem Portugal.



E porque no Chiado, não muito longe de onde o poeta nasceu, vive uma estátua de Fernando Pessoa, mesmo ali junto a uma das mais belas pastelarias que a cidade tem, a Brasileira do Chiado, dele me recordei:

Tu, porém, Sol, cujo ouro me foi presa,
Tua, Lua, cuja prata converti,
Se já não podeis dar-me essa beleza
Que tantas vezes tive por querer.
Ao menos meu ser findo dividi -
Meu ser essencial se perca em si,
Só meu corpo sem mim fique alma e ser!

Fernando Pessoa













Mas, mais logo, voltarei, ao entardecer, a esse lindíssimo jardim de Santa Catarina de onde se vê o Tejo e a estátua do Adamastor que ali também "mora", lembrando-nos que o medo também se pode vencer, pois só ultrapassado se podem ganhar novos mares.





Jardim de Sta. Catarina onde recordei Camões, o das Tágides e do Adamastor.





E vós, Tágides minhas, pois criado



Tendes em mim um novo engenho ardente,



Se sempre em verso humilde celebrado



Foi de mim vosso rio alegremente,



Dai-me agora um som alto e sublimado,



Um estilo grandíloquo e corrente,



Porque de vossas águas,



Febo ordene



Que não tenham inveja às de Hipocrene.

Luís de Camões in Os Lusíadas




Ponte 25 de Abril (sobre o Tejo, Lisboa).





Alfama, Lisboa. 2011. Fotografia Filomena Barata



Alfama, Lisboa. 2011. Fotografia Filomena Barata



[youtube http://www.youtube.com/watch?v=xyXudSg2xiE&w=425&h=349]



Torre de Belém, fotografia (e todas as restantes) de Filomena Barata




Torre de Belém.


Mas virei sempre falar-vos de Lisboa, essa cidade que tanto amou minha mãe, e que, em cada dia que começa, penso ... será um novo dia, uma outra cidade sem outra igual!

Dessa Lisboa de tantas escalas, a das vielas turtuosas que às colinas se agarrou, cortada, desde que Roma a tomou, por terraças grandes onde o poder implantou os seus lugares amplos ou mesmo esmagadores. Foram primeiro os fora e os templos, os teatros onde se falava latim. Foi mais tarde a Sé e os conventos que aplanaram Lisboa. Ou a baixa, onde Roma conquistou os seus portos e Pombal as ruas direitas e amplas.

Logo mais voltarei ao Tejo que, como qualquer grande rio, constituiu, pelas excelentes condições naturais oferecidas pela região ribeirinha - clima ameno e solos férteis - um poderoso factor de fixação das comunidades humanas.

A rede hidrográfica e a fácil comunicação com o Oceano privilegiam a exploração e escoamento de produtos do estuário do Tejo, abundante em recursos naturais.
Os vestígios materiais da ocupação humana estão testemunhados, no estuário do Tejo, desde o Paleolítico Inferior. A acumulação de riqueza e o aparecimento da metalurgia originou uma hierarquização do trabalho e da sociedade, que passa a construir povoados fortificados para sua melhor protecção.
O contacto com o rio torna-se fundamental ao domínio territorial.
Essa cidade de Lisboa, a cidade onde se diz  que o lendário Ulisses atracou, dando crédito ao lendário nacional, e que tendo ficado tão fascinado disse: "Aqui edificarei a cidade mais bela do Universo ! E dar-lhe-ei o meu próprio nome: será a Ulisseia, capital do Mundo!". Aqui, neste mesmo local, houvera uma cidade onde uma rainha metade mulher, metade serpente, Ofiusa, tinha sediado a capital do seu reino. 
Há quem refira ainda que os nós que a serpente deu sobre si mesma originaram as sete colinas de Lisboa. 

Lisboa, antiga povoação castrense, vem a tornar-se assim, após a conquista romana, numa das mais importantes cidades da Lusitânia.
São estas as palavras de Estrabão, referindo-se à conquista de Décimo Júnio Bruto, no século II a.C.: "Nas margens do rio fortificou Olissipo, para ter mais livre o curso da navegação e o transporte de víveres (...).Na margem esquerda do estuário do Tejo a ocupação romana caracteriza-se, fundamentalmente, pelas actividades agrícola e piscatória, sendo de destacar os centros de produção de conservas de peixe e de vasilhame anfórico.




                                                 Centro Interpretativo do Castelo de S. Jorge
                Calçada romana, Claustro da Sé de Lisboa

Voltarei vezes mais a Lisboa, essa urbs do Tejo, Felicitas Iulia Olisipo que ouviu falar romanidades, no seu Forum edificado em ponto alto e controlador, e no seu teatro, ou, quem sabe, no hipódromo que a Baixa pode esconder, nas suas fábricas de salga abraçando o esteio e o mar, mas que também foi a cidade  paleocristã, ou da mesquita, onde o dealbar da Nação edificou a Sé;  do castelo árabe, da cerca nova de D. Fernando, da Sé, e, mais abaixo, quem sabe vá deixar um ramo de flores ao Santo de Pádua ou de Lisboa.




Testemunhos visigóticos da Sé de Lisboa





Quem sabe baixe mais ainda, cruzando o Rossio, até começar de novo a subir e encontrar o Convento do Carmo, onde Nuno Álvares pontuou e que o Terramoto quase todo destruiu, mas onde teimosamente sobrevive um museu. Ali bem perto das suas ruínas um dos mais belos elevadores de Lisboa se edificou.

E vá visitar a Lisboa do Chiado, aquele que o incêndio novamente tragou, mas onde o barroco anda flameja nas igrejas de outrora.
Se pudesse iria a S. Carlos imaginar a Norma da Callas, agora na voz de outra mulher.


















Ou vou à Estrela entrar na Basílica do tempo de D. Maria, deixar-me esmagar pela imponência do seu zimbório, até que lá em cima possa ver Lisboa inteira; à Graça, recordar o convento e a Igreja que a nacionalidade viu aparecer e os séculos foram transformando até que o século XVI lhe deu maior grandeza; aos bairros de Alfama, ouvindo a cação nacional na Igreja de S. Estevão, da Madragoa, talvez melhor à Mouraria, onde chora o fado em vielas e se enfeitam as ruas quando as festas puxam ao largo e à sardinha.
Quem sabe, matar saudades dos tempos em que de Lisboa apenas conhecia os lugares onde me levavam os meus pais e avós de braço dado com uma familiar.








Depois, espraia-se de novo ali o Tejo junto ao jardim do Tabaco, vou escutar o rugido do pôr do sol junto dele e, depois escorro-me até ao Beato, quem sabe se até Xabregas, ou fico simplesmente ao ouvir Alfama noite fora até que o Tejo me venha em sonhos embalar.









Esta Lisboa dos miradouros de S. Pedro de Alcântara, ou de tantos outros de onde se abraça a capital inteira.




Talvez retorne à Baixa e ao Terreiro do Paço que Pombal iluminou e de saberes tão antigos sagrou com o Cais das Colunas. Essa Praça do Quinto Império ... e dos mares perdidos no Tempo e dos lugares que não precisam de Sítio nem Tempo.


E ali, nessa malha ortogonal pombalina, onde nas ruas onde se concentram bancos, lojas e novas instituições, vou ouvir falar Lisboa que, nas esplanadas, ainda consegue fazer viver durante o dia o que a noite silenciou, deserdada hoje dos seus habitantes ancestrais.









Dali rumarei à Lisboa do Largo do Carmo. Ao Convento onde recolheu o Condestável, D. Nuno Álvares Pereira e se fez marco de uma Nação. Após a Revolução de 1383/85 que deu a Portugal um novo rei, D. João I, e uma renovada dinastia, a de Avis, e com ela redefiniu-se toda a História de Portugal, pois se abriram portas amplas para o Mundo.
Este convento que muito sofreu com o Terramoto de 1755, é ainda, na zona que se conservou, a sede do Museu do Carmo e da Associação dos Arqueólogos Portugueses, local onde, na sua origem, pontuavam juntos Arquitectos e Arqueólogos que foi tema  da célebre obra «Lisboa em Camisa».


Convento do Carmo, Lisboa.


Mas também esse Largo do Carmo assistiu a outro momento de consolidação nacional, a Revolução dos Cravos, em 1974, uma das mais belas que o Mundo viu e que deu a Portugal a esperança de ser mais igual, porque embora inibido da posse do Império que a dinastia de Avis havia inaugurado, permitiu a um país acabrunhado de décadas de ditadura fazer falar mais alto a democracia.


Largo e Convento do Carmo.


Ou quem sabe visite a outra colina fronteira, o Bairro onde já morei quase vinte anos, Campo Mártires da Pátria, ou, como hoje soi designar-se, «Campo Santana».








Aqui Portugal assistiu a tanta coisa: às lutas fraticidas do século XIX e ao martírio de liberais que deu origem à denominação «Mártires da Pátria»; dos Paços da Rainha, onde vivera D. Catarina de Bragança, depois de viúva, no seu «Palácio Bemposta», conta-se ter sido posteriormente "coito" de Carlota Joaquina, mãe protectora do Portugal miguelista; acolheram-se conventos medievais, escondidos numa Lisboa menos exposta e centralizada.





Mas, atravessando a praça, no sentido de quem se aproxima do Hospital dos Capuchos, hoje ocupado pela Universidade Técnica de Lisboa, fica o Palácio do Centeno, também conhecido como das «Açafatas da Rainha», datado de finais do século XVII ou início do século XVIII.
  • P

Palácio Bemposta.


O Patriarcado, esse Palácio barroco de planta rectanular, ainda se esconde altivo da rua, mas, do lado da fachada, não passa despecebida a sua  imponência. Mas, na praça, está ainda o Goethe Institut, onde a Alemanha fala de programas culturais.




Ao fundo da praça o "Santo" Sousa Martins, onde já rezei, pedindo sem êxito que aos meus devolvesse a saúde perdida.

Do outro lado, na Galeria Monumental, aprendera eu a encontrar amigos, por entre peças de exposições.



E o belo jardim, novecentista, que substituiu a praça de touros que aí existiu, com gradeamentos de ferro fundido que permitem marcar os desníveis entre o mesmo e as ruas que acedem à praça.

Do Jardim do Torel, altaneiro, espreita-se a Baixa, o Carmo, o rio e o mar.

E no imóvel hoje propriedade da Junta de Galicia há de tudo ... e até se aprende a dançar como em Sevilha.

O Hospital dos Capuchos, abraçando o que foi o Palácio Melo, tem de frente uma pequena praça com um espelho de água. Por trás, sobe a rua que foi minha e onde a minha filha viveu os seus primeiros meses de bébé.

O Hospital dos Capuchos

Da vista sobre o Tejo e sobre o castelo que tive a sorte de poder ver diariamente e jamais me esquecerei.

A rua que foi a minha 20 anos

Um dia voltarei a este mundo, retomando uma velha ideia que malogradamente se esboroou: fazer o retrato desse bairro que foi meu e onde viveu os primeiros meses a filha que tive a sorte de parir. Dedicar-lhe 24h inteiras, a partir de um pequeno café - o Pátria - que estava aberto todo o dia e onde, de noite, paravam taxistas e "meninas da rua" e, de madrugada, as avós iam ao pão.

Regressar-lhe-ei, limpando as nostalgias de um bairro que tantos anos habitei.



Jardim do Campo Santana vendo-se o Patriarcado

Porque para mim, em Lisboa, um outro ciclo está a começar, após ter conhecido no Alentejo uma outra povoação de seu nome  Santana do Campo, onde uma igreja deu lugar a um templo romano e onde, nas ruas brancas, se respira um ar fresco e silencioso.

Mas ainda farei o caminho que outrora fazia palmilhando, em direcção a essa Rua Almirante Reis, onde o mundo todo se conjuga, aliando uma Lisboa de Mães-de-Àgua e de prédios modernistas, por entre as Fábricas de azulejos soberbos da Viúva Lemego e lojas que, nos nossos dias, vendem desde mobiliário nacional aos bens cheirando a Índia ou à china.

Em tempos idos, em caves obscurecidas, trabalhavam cersideiras, apanhando as malhas que Clio distraída se havia encarregado de romper.



A Lisboa moderna da Almirante Reis

Ou talvez regresse ainda à Lisboa da Praça do Império e de Belém, da altaneira capela de S. Jerónimo que viu partir marinheiros, rumo ao local onde mais tarde se edificou a torre abraçada por cordames que lembram as embarcações e o mundo com elas cruzado ou onde pontua um padrão que o recordou à Nação quando a Exposição do Mundo Português ali tomou lugar.





Entrarei no Museu de Arte Popular, essa fantástica reminiscência de um Portugal outrora grande em tamanho e que quis, nos nossos dias, transformar-se em maior nos valores.

 
Museu de Arte Popular, Belém 

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Padrão dos Descobrimentos


Voltarei ao Mosteiro dos Jerónimos, cuja grandeza, parte da qual recriada já no século XIX, lembra esse tempo da cidade das mil cores, dos mil cheiros e gentes de todos os lugares pois com as Descobertas se desvendou tanto que o Mundo agora menos distante tinha.

No Museu de Arqueologia, onde um dia comecei a trabalhar.





Ou às casas que outrora foram ribeirinhas, mas que se afastaram do Tejo quando o Homem ganhou terra ao seu leito.

Pensarei nos pastéis de nata que um dia o meu avô ofereceu em excesso à minha irmã para ver se definitivamente a enjoava, pois não os podia ver que não os quisesse logo provar. A iniciativa teve êxito ao ponto de ainda agora nem os poder cheirar.

Mas, ao fim do dia, vou hoje esquecer que houve crimes do Marquês contra os Távoras e os Chãos que ali foram salgados em Belém; e não quero saber do Centro Cultural nem das suas programações.
Nem lembrar que se fecham mais tarde as portas do Museu de Arqueologia ou dos Coches no Dia dos Museus ou que ali ao lado está o Jardim Tropical.




Não quero pensar que a guarda está a render no Palácio de Belém,  se já se acenderam as luzes do Museu da Electricidade ... ou que, lá do alto, nos observa altaneiro o Palácio da Ajuda que foi casa real.


Não quero pensar no Palácio que quase conheço como as minhas mãos.

Para lá caminhava eu, pela primeira vez em trabalho, em 1987, quando ainda o Departamento de Arqueologia funcionava nos Jerónimos.

Ao Palácio, onde se sediavam mais arquitectos do que historiadores ou arqueólogos, ia-se a “despacho” ou a uma qualquer reunião.



Sempre com a sensação de que o “poder” residia ali, mesmo que de permeio com paredes arruinadas e goradas promessas que um dia se iria construir a parte que fora prevista no projecto original, mas ainda tão capaz de múltiplas cenografias.



Repentinamente a “Arqueologia” mudou-se, e aproximou-se também mais desse espaço de decisão, sem que tivesse conseguido ainda “ombrear” com os seus pares arquitectos ou engenheiros.

Afastei-me do Palácio nove anos, rumando ao Sul, e apenas lhe regressando para despachos ou reuniões, pois Lisboa não havia maneira de deixar cair para outras mãos as decisões palacianas.
Hoje daqui desta janela onde se espreita o Tejo, contígua à que foi minha quando no Palácio comecei a trabalhar , sintetizo o vivido aqui e o ali, consigo espreitar o Além do Tejo, aquele que jamais esquecerei.

http://mirobrigaeoalentejo.blogspot.com/



Aqui a corte acampou um dia, no “barracão da Ajuda” … quando Lisboa estava engolida pelo mar; fendida a terra, a cidade … não pôde mais … e mudou de lugar.

No alto, alcantilada, nasceu um outro centro do poder que, já decandente, mesmo assim, teimava em criar o seu novo lugar.

Ou vamos visitar ali mesmo na Ajuda a Igreja da Memória, ou, mais propriamente, da triste memória, cuja construção se deve a D. José, em lembrança de se ter salvo da tentativa de assassínio de que fora alvo neste local, tendo-se iniciado as obras por volta de Maio de 1760, e a primeira pedra lançada em 3 de Setembro desse mesmo ano.



«O zelo, e protecção com que a mão de Deos guardou sempre a Monarchia Portugueza, nunca se mostrou tão vesivel, como na fatal noyte de 3 de Setembro de 1758, quando milagrosamente saqlvou a Sagrada Pessoa de Sua Mag., e remio a honra da Nasção, não só da orfandade a que esteve exposta; mas do terrivel oprobio com que tão feyo insulto infamaria a ilustre reputação, que em todo o mundo lhe tinha adquirido a fidelidade, e o amor que nos Portuguezes encontraram os seus Principes, e legitimos Senhores». Supplemento às Notícias de Lisboa, de 16 de Setembro de 1760.

Lembra a história, irónica tantas vezes, que regressava D. José de um encontro secreto com uma dama da família Távora quando a carruagem onde se deslocava foi atacada, tendo sido atingido um braço.  O facto deu a Pombal o pretexto de que ele precisava para dizimar a família Távora, sendo a sua tortura e execução, em 1759, um dos momentos mais cruéis da História Portuguesa. Ainda hoje no Beco do Chão Salgado, junto da Rua de Belém, se pode ver o pilar que lembra esse trágico momento.

Lá em baixo, na cidade devastada, pontuava o Marquês de Pombal, Sebastião de nome, que, inteligente e perspicaz, ditava a nova cidade das Luzes, debaixo dos seus caracóis ... (escamoteando assim a dor de não pertencer a essa corte secular, mas a uma pequena nobreza sem direito por nascença aos "manás" reais).
Mas dele, das suas mãos e determinação, nasceu a Lisboa rejuvenescida ... e de saber ... de «Luzes» enriquecida, enquanto, lá em cima, cresceu o palácio dos reis, da nobreza cortesã, numa cidade outra, encimesmada e servil..., mas, ainda assim, remoçada pela adversidade que adveio da terra tremer sob os pés reais e, com esse fenómeno sobrenatural, uma onda enorme tudo poder engolir ...
O Palácio da Ajuda, ainda hoje curvado sobre si mesmo, tem, contudo, a capacidade de nos fazer sentir no nosso lugar .... mesmo que, por companhia, apenas tenhamos a corte a resistir!!!.













Porque em cada corredor, ... em cada uma das reminiscências dos seus roubados tapetes, em todas as arquitecturas efémeras que aí ainda se instalam, ou soalhos de liós ... o Palácio continua a fazer parte dos meus lugares.




Antigo Palácio Real, é hoje em grande parte um magnífico Museu, estando instalados no restante edifício a Biblioteca da Ajuda, o Ministério da Cultura, e vários Institutos desse Ministério.
Edifício neoclássico da primeira metade do séc. XIX, sob traçado de Francisco Xavier Fabri e José da Costa Silva, foi residência oficial da família real portuguesa, desde o reinado de D. Luís I (1861-1889) até 1910, ano da proclamação da República, quando foi encerrado.


O Palácio da Ajuda, ainda hoje curvado sobre si mesmo, tem, contudo, a capacidade de nos fazer sentir no nosso lugar …. mesmo que, por companhia, apenas tenhamos a corte que ainda quer resistir!!!

Porque em cada canto, … em cada uma das reminiscências dos seus roubados tapetes, em todas as arquitecturas efémeras que aí ainda se instalam, ou nos corredores de liós … o Palácio continua a fazer parte dos meus lugares.

Sob o traçado de Francisco Xavier Fabri e José da Costa Silva, este edifício neoclássico da primeira metade do séc. XIX foi residência oficial da família real portuguesa, desde o reinado de D. Luís I (1861-1889) até 1910, ano da proclamação da República, quando foi encerrado, passando a funcionar como museu em 1968, pelo que se pode reviver ambientes oitocentistas , viajando entre importantes colecções de artes decorativas dos séculos XVIII e XIX: dos têxteis ao mobiliário passando pela ourivesaria, e cerâmica, bem como de pintura, escultura e fotografia.
Para não peder a sua vocação, o Palácio alberga ainda os lautos festins que a Presidência da República realiza para celebrar as mais importantes cerimónias de Estado.

Do Alto da Ajuda. Fotografia Filomena Barata




























E, ao fim da tarde, atravessados os pátios, e coando-se quase já a luz, quem sabe dê um passeio pelos jardins que envolvem o Palácio e espreite o Tejo entre o casario da Ajuda, ou se ainda estiver aberto, talvez visite o dragoeiro daquele fantástico jardim Botânico da Ajuda que o século das Luzes viu aparecer, penetrando depois nos bairros onde se encontra ainda a Lisboa das gentes, ou na Calçada do Galvão.

O magestoso dragoeiro, originário da Madeira, tem cerca de 400 anos ainda ali se erge, como uma instalação, marcando forte presença no jardim botânico mais antigo de Portugal.

O Real Jardim Botânico tem a sua origem como a do Palácio Real, quando depois do Terramoto o rei D. José I transfere a sua corte para a Ajuda, e foi Domingos Vandelli o seu criador, que tranpôs para a capital portuguesa o jardim botânico da sua cidade natal, Pádua. Com ele estava Júlio Mattiazi, o primeiro jardineiro de Horto Botânico de Pádua. Tratava-se de dar à família real um lugar de lazer e educar os príncipes e descendentes do monarca, mas contava já nos finais do século XVIII com uma fabulosa colecção com cerca de 5000 espécies.

Tal como toda a Nação, sofreu muito com a primeira invasão francesa, em 1808, que destrói a maior parte das colecções do Real Jardim Botânico, comprometendo o plano inicial do jardim que previa se pudesse expandir e só com o regresso de D. João VI do Brasil se reactiva.É a República que o torna um local aberto ao público, tendo em 1918 sido colocado sob a tutela do Instituto Superior de Agronomia (ISA).

Mas ainda me recordo, há pouco tempo chegada à Ajuda, de ouvir falar da sua recuperação, pois em 1996 se reinicia o processo da sua reabilitação.





Jardim da Ajuda.





 






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Lá em baixo, na cidade devastada, pontuava o Marquês de Pombal, Sebastião de nome, que, inteligente e sagaz, ditava a nova cidade das Luzes, debaixo dos seus caracóis … (escamoteando assim, dizem os malidicentes os piolhos que não o largavam, ou, quem sabe, a dôr de não pertencer a essa corte secular, mas a uma pequena nobreza sem direito por nascença aos “manás” reais).

Mas dele, das suas mãos e determinação, nasceu a Lisboa rejuvenescida … e de saber … de «Luzes» enriquecida, enquanto, lá em cima, cresceu o palácio dos reis, da nobreza cortesã, numa cidade outra, encimesmada e servil…, mas, ainda assim, remoçada pela adversidade que adveio da terra tremer sob os pés reais e, com esse fenómeno sobrenatural, uma onda enorme tudo poder engolir …

Lá em baixo, não quero ir pelo lado do Chão Salgado, triste nódoa negra de um Marquês Iluminado que doridamente resolveu a questão da maior centralização do poder vindimando, um a um, todos os Távoras.





Espera-me antes provar se passagem um pastel de cerveja, rumar ao rio e ver ali mais à frente a torre e o padrão, pois, de regresso a casa, quero que comigo tenha vindo tão bela a sua luz.





Padrão dos Descobrimentos. Belém.














Porque Lisboa é a cidade da Luz e dos Corvos e sei que, de noite ou de dia, a encontrarei.




Quero somente pensar no rio desta cidade e no fado hoje mais Mundial hoje do que nunca, mas que sempre Lisboa guardou, e  deixar cair o dia junto ao Tejo, esperar que se anule o ruído de fundo, os meses sem dormir ... e até que a gente nas ruas da Baixa que o iluminado Pombal recriou se vá retirar.


E que no Chiado fique Pessoa sentado, hoje feito estátua, a imaginar mais um poema, mas que, lá em baixo, no Arcada, também já de portas encerradas, dizem que tanto escreveu.





Ou quem sabe irei ver fontes e fontanários, praças e outros jardins, o das Amoreiras, na praça com o mesmo nome, cheio de tílias,onde pontua a Mãe d'Água; o Aqueduto, edificado nos séculos XVIII e XI, solta-se quase voando alto noutros lugares, mas aqui agarra-se a uma construção invulgar, para novamente se libertar.

Imaginarei o que tinha na mente Francisco de Holanda  na sua obra «Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa», aconselhando o rei D. Sebastião a criar uma rede de abastecimento da cidade.
Ponte de Alcântara


Na Mãe de Água, de planta simples mas busta, podemos gozar a cenografia da água que cai de uma cascata, pingando sonoramente num tanque que só de para ele olhar nos conseguimos embalar.

Mas também ali se encaixa, entre os arcos do aqueduto, a capela de Nª Senhora de Monserate da Irmandade dos fabricantes de seda. 






Essa praça, de projecto dos arquitectos Manuel da Maia e Custódio Vieira foi classificada como Monumento Nacional em 1910, e tenho-a como uma das mais belas que Lisboa tem, delimitada pelo Aqueduto das Águas Livres e está implantada sobre a Mãe d'Água, local histórico de abastecimento de Lisboa.
O Arco Triunfal do aqueduto, construído em 1748, celebra a entrada das águas do Aqueduto da Lisboa.



Foto e apoio bibliográfico: http://www.f-saomamede.pt/paginas/patrimonio/

Sob a traça de Carlos Mardel, em 1752, a construção da Mãe d'Água, este imponente e belíssimo paralelepípedo de pedra prolongou-se até 1834, sendo uma estrutura fundamental à cidade, e tinha na sua fachada ocidental, à Rua das Amoreiras, a Casa do Registo que controlava os caudais de água que forneciam os chafarizes de Lisboa.

Também no paredão voltado para a Rua das Amoreiras, junto aos nove arcos da parte final do Aqueduto, pode observar-se três belíssimos painéis de azulejos do século XVIII, trazidos do seu lugar em meados da passada centúria, a Igreja de S. Lourenço de Carnide.


Mas se caminhar no sentido oposto da praça, quando se abeira da Travessa das Sedas, pode ainda ver o que resta do Real Colégio das Manufacturas.

Desse complexo fabril pombalino, obra concebida em 1759 por Carlos Mardel, subsistem três módulos, um dos quais bastante adulterado, sendo o melhor conservado o da antiga Fábrica dos Pentes.
O Real Colégio das Manufacturas ocupava outrora vários quarteirões, onde em unidades modulares de dois pisos funcionavam oficinas-escola e habitações se abrigavam os artesãos.











Fotografia de José Luís Jesus Martins


A capela de Nossa Senhora de Monserrate foi construída junto dos arcos do aqueduto pela Ordem da Irmandade dos Fabricantes de Seda, no século XVIII, e ainda podemos ver as diversas habitações do século XVIII, construídas originalmente para dar guarita aos trabalhadores da fábrica das sedas. No seu interior há diversos motivos decorativos que vale a pena observar, a exemplo dos painéis de azulejos da Fabrica do Rato, bem como as pinturas do tecto.

Ao centro do jardim pode ver um extraordinário fontanário de forma circular, ladeado por bancos de pedra.
Do outro lado, pode aproveitar para visitar a Fundação Árpád Szenes-Vieira da Silva, instalada na antiga fábrica das sedas.



Também ali, na Travessa das Sedas, fica a Casa do país que me viu nascer, a Casa de Angola, onde histórias tantas se contam pelas vozes de poetas que ali ainda ecoam, como Agostinho Neto, Alda Lara, entre tantos mais.
Ainda hoje, com cheiros de África no Rés-do-Chão, pode assistir à programação cultural que nela de vai desenvolvendo.

Mas voltarei sempre a Belém e à Ajuda, ainda ao jardim Botânico ou ao Tropical, levada pela mão de quem deles melhor sabe falar.



No último pontua a única mulembeira que Portugal viu crescer, nascida talvez no mesmo lugar que me viu a mim.
O hoje denominado Jardim Botânico Tropical, fica perto do casario que ainda alberga os pastéis que tanta fama deram a Portugal, aqui e além mar, e, mais além, espreita a Praça do Império, imaginada por Duarte Pacheco  que, inaugurada em 1940, no contexto da Exposição do Mundo Português, ainda hoje marca e centra a zona ribeirinha de Belém.
Ao que consta o Jardim Tropical, tem cerca de 400 espécies exóticas, salientando também as enormes palmeiras imperiais.
Mais acima fica o outro, o da Ajuda, onde também sempre me aquietarei.







Jardim das Amoreiras












 



                                                                                Susana Neves, Jardim botânico










http://geo.cm-lisboa.pt/


Não, afinal vou mesmo tentar conhecer um pouco mais a cidade. Espera-me ali na Estrada de Benfica o Palácio do Beau Séjour, pois Gabinete de Estudos Olisiponenses certamente me vai ajudar.
Sei que aí se preserva a memória da cidade e com ela Lisboa vai continuar.





Ou não, talvez vá ver rio num outro local, o que a Expo renovou, semeando de verde, de água e jardins de todos os lugares, bem como do Conhecimento e dos mares e de Portugal, como pontos de fuga onde podemos sentir distante a brisa do mar.

Pavilhão do Conhecimento. Expo 98.










Pavilhão de Portugal. Expo 98.

Ali, num desses cantos, D. Catarina de Bragança olha o grande que Portugal ao Mundo deu.



D. Catarina de Bragança. Expo 98.
Museu do Fado.


E, depois de ver as feiras que ainda há em noites de Verão, como no que já foi de arrabalde Largo da Luz,  












Nesse mesmo largo onde há o jardim, o Colégio Militar, o Seminário dos Franciscanos, o Teatro, é o lugar em cuja esquina pontua a Igreja da Luz que a Infanta Dona Maria mandou edificar e que o Terramoto viu quase ruir, onde hoje já não se vende os produtos de outrora, mas ainda há barros que nos querem, na sua mimetização contemporânea, fazer lembrar os dos tempos de então.
Ainda agora se faz ali a feira, uma das mais antigas de Portugal, já do século XVI, que surgiu associada às romarias da Nossa Senhora da Luz, cuja ermida aí foi edificada no século XV, ao que dizem absorvendo o culto anterior do Espírito Santo.
É o largo onde ainda é possível brincar, tomar um café e encontrar amigas cujo encontro adiado estava.






 





 



(E amanhã outro dia começará!).











Mas voltarei, sei que sim, logo mais, a observá-la, como se fosse sempre a primeira vez.



Imagem: Museu da Cidade, Lisboa


Regressarei sempre a esta cidade dos corvos do Santo, Vicente de nome e viajante de atributo, que, vindo do Levante, deu à costa no Promontório Sagrado até que trouxe a Luz a Lisboa; das caravelas, do rio, dos segredos que, desembocando na Barra, o Mundo dá.
A esta Lisboa da minha mãe.

E à cidade do Santo, esse lisboeta que alguns dizem ser de Pádua e que ainda hoje empresta à cidade o seu dia de aniversário.


Voltarei à Lisboa do Jardim do Tabaco, da oitocentista Rua dos Bacalhoeiros, porque outrora havia sido também rua de confeiteiros, do Campo das Cebolas, antigo Mercado da Ribeira Velha, onde Lisboa vira especiarias, escravos, animais raros e anões.
Da Casa dos Bicos, antes de Pombal ter construído ou inventado uma Baixa, um País ortogonal: Luzes feitas à dimensão de Portugal.
À Lisboa baixa, escondida, enterrada e desenterrada que, ali, mesmo ali nos Bicos, nos Bacalhoeiros, nas "Termas Romanas"; no tal hipódromo que, no Rossio, portas fora da cidade latina, poucos conseguiram deslindar; ou ainda dos cemitérios da Roma tardia..
Voltarei sim ... a esta Lisboa dos becos que sugerem a Judiaria e a Mouraria, paredes meias com a cidade cristã, subidas as zonas baixas, lá para os arredores da Sé; a Lisboa e das fontes e fontanários onde hoje divaguei, morrendo de um calor que nem o Tejo nem os hotéis que agora recebem os viajantes conseguem refrescar, acompanhando-me a manhã uma canção, apenas uma, que diz "o fado nasceu um dia ... em que o vento nem bulia" ...

Ou à Lisboa das Avenidas Novas, dos lugares por onde se ouviu falar de tanto de um Mundo Moderno.





Quem sabe vá à Gulbenkian, que continua, de facto, um belo espaço: os jardins, o Museu e o CAM.

Mas melhor se torna quando ainda podemos ver boas exposições (o que nem sempre acontece) como que tive a ocasião de ver há uns anos atrás: «Come and Go: Fiction and reality», ou a vida ficcionada através de trabalhos/instalações de vários criadores.

Logo mais, relembrarei os seus espaços volumétricos, a alternância entre a opacidade e a transparência com que se pode espreitar os seus jardins a partir do Museu, quase poisado que está o edifício na Natureza envolvente, e vou passear-me por entre alamedas de árvores com intervenções dos contemporâneos de Portugal.
«Less is more» o lema de Mies van der Rohe anuncia  a modernidade neste edifício, através da simplicidade e racionalidade do espaço de grande influência de Frank Lloyd Wright.

E o parque faz homenagem a esse grande paisagista que Portugal teve a sorte de ver projectar, Gonçalo Ribeiro Teles.

Recordarei que conjunto arquitectónico foi merecidamente Prémio Valmor, em 1975, fazendo assim homenagem aos três arquitectos que conceberam o edifício sede: Alberto Pessoa, Pedro Cid e Rui d'Athouguia, que foi iniciado em 1959 e inaugurado dez anos depois.

Não sei se terei tempo para entrar no CAM, polémica intervenção de traça de Sir Leslie Martin com Sommer Ribeiro, Ivor Richards e Nunes Oliveira que, embora tendo roubado espaço aos jardins, marcou a vida artística contemporânea em Portugal.

Mas sei, isso sim, que esta intervenção tornou Lisboa e Portugal mais perto do Mundo!





Mas agora Susana Neves leva-me pela mão que hoje apenas quero ouvir falar das tuas «Histórias que fugiram das árvores», por entre estes jardins.




Será que apenas vou ao Bairro de Santos-os-Velho ver um amigo a precisar de um abraço, lembrando passeios feitos por entre o Museu de Arte Antiga, a Madragoa ou conventos ou palácios.

Ou vou novamente imaginando a viagem do rio a caminho do mar, mais aqui junto a Belém ou então já lá mais perto do momento em que se abraçam no Bugio ou que já feito Oceano se faz à barra de S. Julião.








Mas primeiro, tal peregrinação, visitarei a capela dos Jerónimos de onde partiram os Descobridores sonhando um Mundo maior. Lá em baixo ficará, mais tarde, um convento que ainda hoje faz juz aos feitos de antão.




Observatório. Projecto Gonçalo Byrne.



Há muitos anos atrás uma exposição que se chamava «Arqueologia no Vale do Tejo» fez-me conhecer melhor os mistérios do Tejo, esse tal rio que sempre abraçou Lisboa.
Quem me dera hoje fazer de novo uma viagem renovada, totalmente recriada a esse vale mistérico que é o do Tejo, esse rio que banha esta e a outra banda e que, da Casa da Cerca em Almada, esse belo palácio setecentista, se pode tão bem ver como continua a abraçar a cidade inteira ...











Para além da ínumera bibliografia sobre Lisboa, recomendo a leitura de «História de Lisboa - Tempos Fortes», Gabinete de Estudos Olisiponenses.


Acima: Fotografia Mariano Sartore





Sei que hoje, serenamente, rumarei a Arroios, passando o largo onde Pina Manique  assentou palácio, olharei, reconhecendo-a, a fachada do edifício da Viúva Lamego e olharei de frente o Chafariz do Intendente, até que um templo me acolha, em dia de S. João.

E hoje, à meia noite em ponto, ... Lisboa calçará os sapatos de cristal!

Pois é a cidade que aprendi a amar como nenhuma.

Vive no meio de ondas e colinas, de nós de serpentes da Ofiusa, mas usa o prumo e o esquadro como ninguém.