sexta-feira, junho 20

Cris, para ti, finalmente, a cabeça de S. João Baptista, pois não tarda está o dia do Santo a chegar (actualizado de Maio 2008)

Hoje, abrindo o site do Museu Nacional de Arte Antiga, a propósito da nota anteriormente feita, encontrei como uma das "peças" notáveis deste Museu a pintura intitulada "Salomé" de Lucas Cranach e outra de S. João Evangelista.


Pintura: Salomé, Lucas Cranach, MNAA, IMC
http://mnaa.imc-ip.pt/
E recordei o que aqui já tinha dedicado a esta personagem.
«Nem sei porquê, lembrei-me de um dia em que, no Porto, assisti serenamente às festas de S. João, no último andar de um Hotel, e que as gaivotas assustadas com o fogo de artifício se dirigiam para terra, para o lugar onde me encontrava a ver a cidade que se estendia até ao Douro.

Por esse dia de S. João, por tudo o que representa o Solstício de Verão, decidi-me retomar a história do Santo e da mítica Salomé.


Imagem: Oscar Wilde como Salomé.WIKIPÉDIA
«Por aquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos de Herodes, o tetrarca, e ele disse aos seus cortesãos: "Esse homem é João Baptista! Ressuscitou dos mortos, e, por isso, tais poderes miraculosos se manifestam n'Ele". Herodes, com efeito, depois de prender João, algemara-o e metera-o na prisão, por causa de Herodíade, mulher de Filipe, seu irmão, pois João dizia-lhe "Não a podes ter contigo". Quisera mesmo dar-lhe a morte, mas teve medo do povo que o considerava um profeta. Ora, quando Herodes festejou o seu aniversário, a filha de Heroíade dançou em público e agradou a Herodes, pelo que ele se comprometeu, sob juramento, a dar-lhe o que ela lhe pedisse. Induzida pela mãe, respondeu: "Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Baptista". O rei ficou penalizado, mas devido ao juramento e aos convidados, ordenou que lha trouxessem e mandou decapitar João Batista na prisão. Trouxeram num prato a cabeça e deram-na à jovem, que a levou à mãe. Os discípulos vieram buscar o cadáver e sepultaram-no, depois foram dar a notícia a Jesus». Envangelho Segundo S. Mateus, Execução do Baptista

A história de Salomé, como é mais divulgada, é uma história de luxúria e perversidade, e Salomé foi sempre tida como o abismo da sensualidade.

Salomé foi, depois de Eva, considerada a mulher mais malvada da história judaico-cristã. Há poucas figuras femininas no Antigo Testamento que tenham merecido por parte de escritores, autores de teatro, gravadores, pintores e compositores musicais a atenção que mereceu a jovem Salomé, filha de Herodias e sobrinha do tetrarca da Galileia - Herodes Antipas.
À partida, pela sua beleza e sendo de estirpe real, Salomé teria nascido para fazer feliz qualquer mortal, mas o capricho de exigir a cabeça de João Baptista, transformou-a numa proscrita: a jovem que, sob um ar angelical, é possuidora da pior das perfídias, por usar o dom da sedução e o erotismo para conseguir os seus intentos. A Natureza, rezam os historiadores e a lenda, dera-lhe dons magníficos - um corpo escultural, cabelos negros sedosos, olhos de pantera, boca, braços e pernas perfeitos, como os de uma Vénus - e foi todos estes atributos que usou para mandar executar João Baptista.
(in Wikipédia).

Herodes Antipas, nascido no ano 10 a. C., era filho de Herodes o Grande, a quem o imperador romano Calígula dera o governo da Galileia e de Pereia.
Herodes Antipas repudiara a mulher legítima e passara a viver com Herodias (ou Herodíades) sua cunhada, tendo com ela casado, violando a lei que o interditava.

Herodes e Herodias viviam um idílio que era denunciado pela voz de um estranho homem, de nome João, que, vindo do deserto, parecia disposto a perturbar o tetrarca e a sua recente esposa. Esse homem vivia numa pobreza assumida, como forma de despojamento dos bens terrenos, e tinha como indumantária apenas uma pele de camelo, apertada com um cinto, alimentando-se no deserto da água da chuva, frutos silvestres, gafanhotos e mel, como conta a tradição.
João tinha uma imensa multidão que o seguia, que ouvia as suas palavras e não deixava de clamar contra Herodes e Herodias, pelo modo como viviam, ao ponto de ser odiada por Herodias. Era conhecido por João Baptista, porque baptizava nas águas do Jordão todos aqueles que acreditavam que um dia a lei dos homens seria alterada com a chegada de um "messias", anunciando a chegada do Salvador - Jesus Cristo - a quem acabou por baptizar.

Por sua vez, a bela Salomé, filha de Herodias, fora viver com a mãe para o novo palácio, depois de o pai ter sido preso pelo irmão, passeando-se, segundo reza a lenda, com vestes finas, deixando tudo e todos envoltos no poder da sua sensualidade, a que não ficavam alheios os olhos do tio, dos guardas e de todos os servidores do palácio.

Flaubert, Oscar Wilde, Mallarmé e Eugénio de Castro, Carlos Saura, para só citarmos alguns criadores, vestiram e despiram Salomé como o símbolo da perfídia e da sensualidade.

Deram-lhe e tiraram-lhe ingenuidade e candura ou carregaram-na com paixões mórbidas e a mais repugnante perfídia, conforme a veia criativa os inspirou.
É certo que esta bela jovem da Galileia teve existência real.
Para lá dos mitos criados nos 20 séculos passados sobre a sua morte, Salomé mantém-se uma figura histórica inesquecível e para sempre ligada ao nome de João Baptista.
No Evangelho de Mateus, aparece apenas com uma simples referência (...) O historiador hebreu Flávio Josefo também se refere a ela, dizendo: Aquela que pediu, por conselho da mãe, Herodias, a cabeça de S. João Baptista, por ter dançado airosamente" (Tesouro Bíblico ou Dicionário Histórico - do Antigo e Novo Testamento, p. 263, Lisboa, 1785).
Bailarinas e escravas, não eram consideradas convivas e estavam ali para o prazer dos convidados (in Wikipedia).

Herodes era um homem pouco culto, medroso, ignorante, pouco mais do que um nómada, e tinha medo do profeta. O tetrarca mandou que o trouxessem à sua presença, pois queria ouvi-lo. João repetiu-lhe o que já dissera antes, que o casamento dele com a cunhada era "sacrílego" segundo as leis. E mais, disse-lhe que a repudiasse e que voltasse para a mulher legítima, que expulsara injustamente, e que, se não o fizesse, cairia a maldição sobre Israel. Herodes, sob pressão de Herodias, mandou-o encarcerar numa prisão-cisterna.
(...) Herodes (...) vivia torturado entre o prazer e o dever. Era fraco. Não resistia às artimanhas da cunhada, agora sua mulher, que se dizia ter casado com ele apenas por interesse. Ora Herodes nada tinha que se comparasse com o pai, Herodes, "o Grande", que, na religião católica, ficou conhecido por ter ordenado a "matança dos inocentes", isto é, ter mandado executar todas as crianças com menos de dois anos, quando ouviu dizer que um novo rei viria. Esse rei era afinal e apenas "o menino de Nazaré" e o seu reino não seria deste mundo.
(...)
Herodes Antipas quis esquecer que as palavras de João o torturavam e não o deixavam dormir. Era o seu aniversário e quis festejá-lo com toda a pompa (...)Foram convidados todos os príncipes, que acorreram da Judeia e da Galileia e trouxeram os seus séquitos. Bailarinas de longes paragens vieram com a sua graça animar o banquete. Foram preparadas as melhores iguarias.
Entre cada prato servido, tocava-se música e as bailarinas núbias e egípcias, ao som de alaúdes e flautas esvoaçavam entre os convivas. Os vinhos de Chipre e da Grécia enchiam taças de metais preciosos e reinava a alegria. Na sala do banquete só era permitida a entrada a elementos do sexo masculino
(in Wikipedia), pois bailarinas e escravas não eram consideradas convivas e estavam ali apenas para o prazer dos convidados.

Reza a lenda, que a meio da festa, para surpresa de todos, aparece uma bailarina desconhecida, de beleza sem rival, acompanhada de escravas - era Salomé - que foi dançar. Perfumada com sândalo e outras essências tinha nos braços e nos tornozelos pulseiras. Eram as suas vestes tules e finas musselines transparentes ... e então Salomé começou a dançar.

Eugénio de Castro, no seu poema lírico, descreve-a assim:

"Radioso véu, mais leve que um perfume,
Cinge-a, deixando ver sua nudez morena,
Dos seus dedos flameja o precioso lume
E em cada mão traz uma pálida açucena.
E a infanta avança. ao som dos burcelins...
Como sonâmbula perdida
Em encantos, místicos jardins,
Dir-se-ia que dança desmaiando
Ao perfume das flores que estão em roda...
Dir-se-ia que dança e está sonhando...
Dir-se-ia que a estão beijando toda..."

Quando Salomé termina a dança, os convidados de Herodes entusiasmados querem mais. E Herodes, louco de desejo, pede: "Salomé, dança mais uma vez!" Ela recusa, esquiva, mas de novo o tetrarca seu tio insiste: "Dança para mim outra vez! Se o fizeres, pede-me o que quiseres que te darei, nem que seja metade dos meus reinos. Tudo será teu!" Salomé hesita, mas depois, num relance, percebe que tem, naquele momento um poder imenso e vai usá-lo. Como? Caprichosa, e sem pestanejar, como quem tira um fruto maduro de uma taça, diz: "Quero a cabeça de João Baptista numa bandeja de prata." Herodes Antlpas fica branco, quase petrificado, não acredita no que ouve e diz-lhe para escolher algo diferente. Que peça jóias, tecidos caros mandados vir de longínquas paragens, os luxos mais inatingíveis, mas a cabeça do profeta não. Herodes tem medo, não é a bondade que o faz agir assim, ou talvez, lá no fundo, pense que aquele homem não merece a morte, porque não é um criminoso, não atentou contra a vida de ninguém, embora nesse tempo mandar matar fosse quase uma banalidade.
Imperturbável, Salomé repete, sem hesitar: "Danço outra vez para ti, se me trouxerem a cabeça de João Baptista." E Herodes cede. Tem de cumprir a palavra dada perante tantas testemunhas e manda que as suas ordens se cumpram. Entrega ao chefe da guarda pessoal o seu anel, para que este o mostre ao carrasco e para que este execute, sem demora, a sentença. A prisão onde estava João Baptista distava ainda alguns quilómetros do palácio. (...)
Um pouco mais tarde, a cabeça de João Baptlsta é trazida à presença de Salomé. Esta olha-a, ainda ensanguentada. A partir daquele momento, João Baptista é um mártir, é o santo que tantos séculos depois a humanidade não esqueceu.

(...)
Para Oscar Wilde (1854-1900), o autor da mais famosa peça sobre Salomé, escrita para o teatro e para a actriz francesa Sarah Bernhardt, Salomé é a encarnação da perfídia, porque ela amara João, que a não desejou, por isso ela agiu por vingança. Quando lhe trouxeram a cabeça do mártir ela beija-o na boca, desesperada. A peça é tão impressionante e tão contra os cânones da época que foi proibida em Inglaterra, na Áustria, na Suécia e noutros países. Só em França foi representada, com sucesso, em 1896.
Depois da peça de Oscar Wilde, Richard Strauss fez a música da ópera do drama de Salomé e João Baptista. Houve quem compusesse bailados sobre o tema, mas é na iconografia sobre Salomé que encontramos o maior e mais diversificado número de interpretações: gravuras, desenhos, telas de pequenas e grandes dimensões, esculturas. Quase todos os grandes museus do mundo têm quadros com João Baptista e Salomé. Há representações remotas, sendo conhecidas obras de toda a Idade Média. De referir, em particular, um belíssimo quadro de Filippo Lippi (1406-1469), uma gravura de 1583 da Bíblia Sacra de Antuérpia e outra, também de Antuérpia, de 1715.
Portugal tem no Museu de Arte Antiga quadros sobre o tema e o museu de Tomar alberga, da Escola de Gregório Lopes, do século XVI, um exemplar belíssimo sobre o tema da mulher má e do santo degolado.
Leonardo da Vinci, Ticiano, Caravaggio, Bernardo Luini, Veronese, Pedrini, Rembrandt, Regnault, Eduardo Toudouze, Max Slevogt, Hugo von Habermann, Delacroix, Otto Friedrich, Klimt, Lovis Corinth, Fritz Erler, Juana Romani e Ella Ferris Pell são alguns artistas que se deixaram seduzir por Salomé. Até Picasso e Dali não resistiram ao seu erotismo. Uns vêem uma Salomé sanguinária, a completa encarnação da maldade, outros uma Salomé ingénua, que terá apenas obedecido à mãe, que lhe sugere o tenebroso pedido. Fosse como fosse, nenhuma mulher foi ou será considerada tão pérfida como Salomé. O grande, o maior pintor de Salomé foi Gustavo Moreau, que, entre esboços, desenhos e telas, terá dado vida a uma única Salomé em mais de uma centena de versões
(in Wikipédia)

Pois é amiga, o que terá sido afinal Salomé?
Para mim Salomé não é senão uma vingativa mulher que prefere ver degolado o seu amor, quem o saberá, pois João Baptista não teria sido sempre e tão somente o bondoso homem que o Envangelho retrata, mas também belo e sedudor, tendo, ainda por cima, invadido a intimidade do Palácio a que não pertencia... porque a Santidade é uma longa caminhada.
Talvez o desejo impossível, provavelmente o único que não estava ao alcance da sua perfídia, tenha deixado a infanta enlouquecida e vingativa.

Mas Salomé (terá algum dia perdão?) continuará a seduzir-nos por detrás dos seus olhos belos e provocantes, inscitos na Arte Universal.

Que Salomé reescreverias tu?.

terça-feira, junho 10

À Natália Correia, de novo, a elegia do amor. Também para ti o meu Dia de Portugal, contraponto às belas "Cartas Portuguesas" (reeditado de JUN 08).





Felicidade?

Será pôr lençóis de flores na cama,
esperando no leito o macho manchado,
com o cheiro acre a outras mulheres?

Ou ter televisão a cores, no quarto onde vamos dormir?
Será a toalha de nylon, gasta, de tanto lavar ...?
pratos de pyrex leitosos, em Domingos, todos iguais?
e mesmo assim dizer ... sou feliz, com marido meu, pois está bem guardado,
no meu lar!

Continuando a dizer que sempre a mim vai regressar.
Doa o que doer, pois é esse o meu e o seu lugar.

E continuar a fingir, fingir mais, que se está a acreditar.
Sem frustação!?
Acordar amanhã para limpar o que ele fez, ou o não fez?
Limpar, lixiviar tudo, para continuar a não ver?

Será isso o meu Lar?
Deglutindo os restos do que os outros deitaram fora, e mesmo assim dizer
Júbilo o meu, orgulho este de Mulher.
A humilhação que seja a dos outros... pois é comigo que vai acordar!!!!

E, de novo, recorrente, "perdoar", "perdoar",
aquilo que até é vexame fazer. Pois não somos deuses nem tribunais, mas apenas mulheres.

Não, isso não, antes o copo de vinho bem bebido,
a insónia em pano de linho, mas bebida num copo de cristal
num segredo fino que cheira a morte, mas vivida
e na minha mão! Antes a solidão!
Ou um amante de ocasião...

Maio, Maio meu, que não desisti de viver
que não consegui apenas ser o que os outros esperam de mim!
As minhas mãos têm sentido sem quaisquer outras mãos.

O último golo sorvido?

com gosto a cicuta, a minha morte, mas é o meu.
Antes isso do que morrer nas tuas mãos!

E, de resto, amuralhar, amuralhar! Empurrar.
A tua ilha, emprestada, Natália, de aliança de brilhantes na mão?

Não isso não!
Mais depressa me afundaria nas ondas grandes do teu mar do que na loucura que os outros querem que eu seja

Afinal, se não te sentisses Circe, se não me sentisse eu, que também sou filha de boa gente, que seríamos nós então?

Porque não se retalha a pele dos outros nas rochas sem saber que as marés nos podem engolir também a nós.

Uma coisa é certa, o Sol não brilha agora na tua Ilha.
Porque sem Palavra haverá apenas lugar à penumbra, onde estás.


Por isso me socorro das palavras tuas Natália:


Eram nas Furnas, caldeiras
guelras que o vulcão abria.
Mas se enxofradas as sombras
em chumbo e cachão ferviam,
a luz por vales e lombas
em hortênsias de aspergia,
que não se ganham os deuses
sem demos por mais valia.
Por isso ali o inferno
com o céu não contendia.
Vai ´daí que me ficasse
esta concórdia sadia
de não frequentar negrumes
sem numes por companhia.
Ou o contrário se quiserem
que se Deus dá flor e fera
eu sou por esta harmonia.

Natália Correia, Singelinha, in Poesia Toda.