terça-feira, outubro 30

Todos os dias um novo caminho a percorrer

Decidi mudar de casa. De um bairro simpático, com muitas crianças e espaço aberto, para o "Centro Histórico".
Não que as condições sejam melhores: a casa é até bem mais pequena, mas porque, mesmo para as mães, a vida afinal também existe fora das horas de trabalho.
Há um café para tomar; uma rua nova para conhecer; um espectáculo que sempre pode acontecer (se bem que em Évora infelizmente vão rareando); uns restaurantes para experimentar e montras para ver.
Deixo de ter o mercado do meu bairro; o restaurante dos peticos que já tantas vezes frequentei; os bailes da periferia. E fica a minha filha triste, porque não poderá tanto andar de casa em casa a reunir os amigos.
Mas poderá, poderei, sempre revisitá-los!
E, nos bairros, por muito que os risos dos miúdos nos animem no Verão, quando chega ao Inverno, ficamos demasiado entregues aos nossos silêncios.
Afinal cada dia nos traz novos caminhos para percorrer; novos desafios, novas "cruzes" para carregar. Escolhas para fazer.
Mas mudar de casa é também como arrumá-la, arrumando-nos também um pouco. Separando o essencial que temos que transportar connosco do que afinal tão bem se pode dispensar.

sábado, outubro 27

Há pessoas que não podiam morrer ... e não morrem afinal

Quando se redescobre um(a) escritor(a) de que tenhamos gostado, não o largamos durante tempo indeterminável.
E se esse (a) escritor(a) fôr simultaneamente um pensador(a) com que nos identificamos, a questão torna-se mais complexa, porque as suas palavras nos assaltam os dias.
Assim é comigo, quando releio a Natália Correia, sabedora como ningém da arte das palavras e mulher que foi sem medo dos gestos; possante de alma e do corpo de que nunca se envergonhou.
Há pessoas assim ... que não deviam morrer, para nos encherem as horas da surpresa que a inteligência e o humor conciliados conseguem trazer aos dias.
Na terra, quis Deus que assim se semeassem poucos, porque não aguentariam quase todos suportar tanta turbulência.
E mesmo assim deu-lhes o Divino, como aos outros mortais, a morte, não fosse o perigo de a vida perpétua na terra não aguentar tanta provocação.
Mas quem sabe, no Céu, os seres, mais depurados da mediocridade a que o dia a dia nos acaba por reduzir, a tenham acolhido para a Eternidade.

Assim citarei:

(...)
os intelectuais são uma chatice, com que o Criador não contava;
sendo a educação a providência dos imbecis que são em maior número, o mundo está imbelicizado pela educação;
o sistema é a creche da debilidade mental e a vala comum da inteligência;
a economia é adquirir-se o vício do fumo porque se comprou um isqueiro;
dos vencidos não reza a história porque se renderam à razão;

para concluir que:
chegou a hora romântica dos deuses nos pedirem a desobediência. Faço-lhes a vontade. A partir de hoje, se alguém me quiser encontrar, peocure-me entre o riso e a paixão».

Natália Correia, A ilha de Circe.