terça-feira, abril 30

Vamos conhecer Lisboa à volta de um café? Desta vez o Bairro de Santos o Velho, pela mão de Cristina Moisão


Só para aguçar o apetite, em Santos-o-Velho.



sábado, abril 27

Mãe há só uma, Linda David


Acabada de chegar ali da rua d'Os Lusíadas, onde estive à conversa com a Ana Saragoça, não quero deixar de partilhar algumas pérolas do (meu) folclore materno, assim, logo para início de conversa não posso deixar de vos oferecer uma pérola, que sempre me acompanhou e, ainda hoje, com cinquenta e quatro anos, me acompanha, qual cruel sentença - "Não Venhas tarde", de tal maneira este estribilho era um fado para mim, que manhã, tarde ou noite em que não o ouvia, alguma coisa de catastrófico me acontecia. Tremo de medo, mesmo quando saio a meio da manhã para beber um café ou ir fazer um "mandado" - outra pérola lá de casa - se a minha mãe se esquecer de dizer, com o tom que só ela conhece: "Não venhas tarde". Quando, por alguma razão, comento, a trezentos quilómetros de distância, que vou sair, ela nunca se esquece de o entoar, com a jovial ansiedade de uma mãe de adolescente, "Cuidado com as crianças, não venhas tarde ...Podem constipar-se, meus ricos filhos". O "tens bicho carpinteiro" e "engoliste uma grafonola" fazem parte de mim como a cor de cabelo, mesmo quando pinto os brancos, para já não falar do "não te atrases nem te adiantes, se queres ser um bom relógio", o que explicará, sem a ajuda de Freud, chegar à estação do comboio, do autocarro ou do aeroporto sempre, sempre, com uma hora de antecedência.
A minha natureza inquieta e tagarela, no entanto, apesar dos esforços da senhora minha mãe e dos pedidos a Nosso Senhor da minha avó, não mudou. Ainda hoje "falo pelos cotovelos" e não paro quieta, "É por isso, que não há homem nenhum que me ature", uma pérola -negra - das mulheres da minha família materna, quando, muito lacrimejantes, constatam que já dei cabo de dois casamentos. Mas o colar que sempre me acompanha e me dá forças para eu não cair de tristeza e solidão é: "há sempre um chinelo velho para um pé doente". Sim, é verdade, as mães de todo mundo têm de se unir, porque sem elas o mundo seria um lugar sem graça nenhuma..
( para a próxima conto o episódio em que eu adolescente - furiosa, irreverente e revolucionária a rebentar de PREC - grito "Mamã, vou fugir de casa, porque és fascista!" e ela responde, sem tirar os olhos da Modas e Bordados, " Está bem, mas primeiro aspira o teu quarto").
Mãe há só uma.
Um abraço.
Linda David

sexta-feira, abril 26

Linda David, "Do Loreto a Belém"


Linda David


" A filha da minha sogra quer uma mobília de sala, aquela que lá temos tem 32 anos, ela merece, coitadinha, porque se farta de trabalhar, as mulheres trabalham muito mais que os homens. Eu já lhe disse que estamos apertados, eu até podia comprar a mobília de sala, tenho uns dinheirinhos, sempre temos uns dinheirinhos para uma doença, é por isso que não compro mobílias de sala. Agora, por causa dacrise e das rotundas que se fazem por aí o dinheiro é muito mal gasto e as pessoas dormem na rua e ao frio, eu tenho pena delas. Já viu todo este movimento? É porque amanhã é feriado, vai tudo para fora, se eu pedisse ao meu patrão um dia de férias a seguir a um feriado ele mandava-me dar uma curva. Eu vi no dia vinte e cinco de Abril as pessoas na rua, a andar de um lado para o outro, nessa altura ainda não trabalhava no táxi, era marçano de uma mercearia fina, mas o patrão era ruim. Quando casei com a filha da minha sogra vieram logo os filhos e eu arranjei o táxi, criámos os filhos, agora temos um neto, ela insiste na mobília de sala e diz que quando tiver a mobília nova já não tem tempo para a gozar, um dia destes fomos a um casamento e ela demorou a arranjar-se e eu aspirei o corredor, como ela disse que estava tudo mal aspirado nunca mais a ajudo, as mulheres são difíceis de contentar e ele há muita miséria e eu vejo os sem abrigos nos dias de inverno cheios de frio, por aí, por essa cidade, abandonados, nas entradas dos prédios e nos passeios à noite, sempre trabalhei à noite, eu tenho pena deles, é só dinheiro mal gasto e tanta casa abandonada que pertence à câmara e é só gastar dinheiro no que não precisamos, aquela Rotunda do Marquês não serve para nada. Se conseguir ter tempo vou com a mulher ao Ikea dizem que as mobílias são baratas e a mulher ainda se goza da mesa nova e das cadeiras. Bom, mesmo bom, era quando tínhamos os filhos em casa, gastava-se mais água e luz , mas havia sempre alguém para lavar a loiça, agora, sou eu que lavo a loiça, porque só ligamos a máquina quando estamos todos. Felizmente, tenho a casa quase paga, já lá está quem tão bem me aconselhou, que gente boa sempre houve e eu pedi dez mil contos, naquele tempo eram contos, para as minhas sala, os quartos, uma boa cozinha, e casa de banho com banheira como a mulher queria, é interior, mas tem tudo o que precisamos, que isso nunca nos faltou nada, se fosse hoje os bancos levavam tudo e não há quem aguente tanta pobreza e tanta miséria que ainda havemos de passar pior. É já aqui à esquerda, não é verdade? Olhe, muito boa noite e bom feriado para a senhora e para os seus rapazes, sim, eu sei sair daqui, já ando nisto há trinta e dois para trinta e três anos.Daqui a duas semanas tenho férias, vou ver se consigo comprar as cadeiras, a mesa e o louceiro para fazer a filha da minha sogra mais contente, que ela sempre trabalhou muito, mais do que eu. Boa noite, minha senhora e muito obrigada mais uma vez".
(Lisboa, do Loreto até Belém, 24 de abril de 2013)
L.C.D.



[Setúbal na Rede] - O Património e a Democracia

[Setúbal na Rede] - O Património e a Democracia

domingo, abril 21

Março com chuva, Linda David


Um dia de março com muita chuva.
Quando se sentou à mesa do café sentiu-se mais calma. O bater lento e repetido da chuva, na janela, devolvera-lha o bater mais certo do coração. Secava as mãos na saia, pediu um café, meio copo de água, lembrou-se que um cigarro saber-lhe-ia bem. Lembrou-se da sombra do fumo do cigarro nas suas mãos. Olhou através da chuva. Olhou através das pessoas. Não esperava ninguém. Entrara para beber um café e dar uma folga ao coração. O café estava vazio. Só a sua mesa estava ocupada. Os bolos no balcão enxiam-se de moscas. “Aqui está o seu café, o copo de água, minha senhora. Sessenta cêntimos, se fizer a fineza” Faria a fineza, moedas certas. Não precisaria de troco.”Muito obrigada e volte sempre”, ela ainda não bebera o café e o empregado já estava a mandá-la embora. Iria. Quando lhe apetecesse. Poderia até nem beber o café, com um pouco de água, como era seu hábito. Poderia. Poderia até nem ter entrado naquele café. Teria escolhido outro. Chovia, o coração batia muito depressa e ela precisava de se sentar. Uns minutos, apenas uns minutos. Há horas que deambulava pela cidade, antes de começar a chover. Decidira andar. Descer e subir ruas. Olhar a cara das pessoas. Ver-se no rosto dos outros. Olhar-lhes as roupas. Ver-lhes os olhos. Atrasar-se para a solidão. Bebeu o café, soube-lhe mal, estava frio. Não pediria outro. Ficou sentada mais um bocado, olhou para a rua. O passeio molhado. Gente apressada. Chapéus de plástico cobriam a cabeça das pessoas. Jornais e pastas a proteger algumas carecas. “Vou ficar toda encharcada, não tenho guarda-chuva, perdi o chapéu. A chuva na cara não me fará mal nenhum,” falava sozinha, baixinho, só para que ela ouvisse Pouca coisa lhe poderia fazer mal. Faria de conta que estava à espera que parasse de chover para sair do café. Entraram mais pessoas. Um casal de velhos, duas adolescentes, uma senhora mais composta.”Se soubessem como o café sabia mal! Menos mal, pediram chá de limão, coca-colas uma água sem gás”. Olhou o relógio. Seis horas em ponto. Quando fossem seis horas e cinco minutos, levantar-se-ia, comporia a gola da gabardine, agarraria na mala com as duas mãos e sairia. Estava mais serena. Mais infeliz. Mais triste. Mais só. Ela soube, no momento em que ele lhe ligou, para se encontrarem, para lhe explicar, mais uma vez, as suas razões, que ele não apareceria. “Quero explicar-te o que sinto por ti. Quero dizer-te o quanto foste, és, importante na minha vida. Beberemos um café, um chá, o que tu quiseres”. Foi nesse instante: “O que tu quiseres”, dissera ele. O que ela quisesse, ela percebeu que ficaria sentada à espera dele.”O que tu quiseres”, dissera-lhe, ao ouvido no outro lado do telefone. E, nesse instante, ela também, percebeu que não esperaria por ele muito tempo. Nesse instante, ela também percebeu, apesar da mágoa, que não queria nunca: “O que tu quiseres, um café, um chá o que tu quiseres. O que tu quiseres, um café, um chá” Já não queria nada. Já não o queria. Não queria. Atrasara-se três minutos. Eram seis horas e oito minutos, quando agarrou a mala com as duas mãos e saiu. Parara de chover. Atravessaria a rua para apanhar o autocarro. Agora, sim, beberia os cafés, os chás que quisesse. Entretanto anoitecera. “Curioso. Arrumei em três horas a infelicidade de quase uma vida”. Tirou o bilhete pré-comprado, do bolso, entrou no autocarro. Estava cheio, cheirava a pessoas, a álcool e a humidade, mas isso não a incomodou. Não a incomodou. “Tenho de engraxar as botas quando estiverem bem secas.”[…]“ Quer sentar-se aqui? Eu saio na próxima”.
Linda David

terça-feira, abril 16

A Teresa Monteiro, uma das mulheres da minha vida (reed. 15.01.2009)










Teresa Monteiro
Nascida em Lisboa a 24 de Abril de 1970

12º ano de escolaridade
Não pôde continuar porque a vida exigiu que começasse a trabalhar

Separada, tem dois filhos com quem vive e sorri tanto, como a ninguém vi fazer.

De manhã trabalha na Junta de Freguesia de Odivelas, tratando do que todos nós deitamos fora diariamente - o lixo - e nem sempre com o cuidado que deveríamos ter. E tanto há para fazer. Mesmo que, por vezes, com um sentimento de quase impotência, pois mal está acabado o trabalho, de novo está a precisar de ser começado, Teresa não se deixa desanimar.

De tarde vai ainda algumas casas ajudar a que fiquem mais limpas e melhor organizadas.

Nos tempos vagos, os poucos que tem, acompanha os filhos à natação e ainda faz objectos de madeira pintada com gosto a presente de Natal.

Sempre continuando a sorrir!
Que dela me fique o exemplo de querer continuar a ser feliz.

E ainda arranja tempo para se apaixonar.


A ela voltarei também, muitas vezes mais.



Fotografia de tatuagem:
Eduarda Abbondanza