sábado, abril 19

A propósito do acordo ortográfico (ao Ultraperiférico)

Subscritora que sou do lugar da palavra e da língua, enquanto expressão da complexidade do pensamento, não posso, contudo, deixar de me questionar sobre a pertinência do acordo ortográfico agora preconizado.

Não que o defenda, pelo contrário, porque dele advirá, obviamente, mais empobrecimento para o Português.

No entanto, correndo-se o risco de sistematicamente serem dados erros de ortografia, de sintaxe, alguns ajustamentos e investimentos terão que ser feitos, certamente de cariz mais profundo do que o acordo estritamente ortográfico que agora se preconiza, focalizado apenas simplificação da grafia.

Não que algum dia me ocorra que se venha a esquecer o que é um predicado, um sujeito, um complemento directo, indirecto ou circunstancial.

Mas é um facto que, muitas vezes, fui confrontada, no trabalho, com o desconhecimento total das regras mínimas gramaticais, designadamente em pessoas de formação dita superior.

Além disso, teremos que reflectir também sobre o papel da linguagem informática e das msn, que vem introduzindo alterações substanciais na forma como nos expressamos, cujos contornos ainda estão mal identificados.

O "que" é k; o nh é ñ, tal estenografia que, sem aprendizagem, acaba por ter uma codificação reconhecida por muitos dos praticantes assíduos das novas formas de comunicação.
Uma coisa tem que ser interiorizada, até para que algo se possa fazer em sentido contrário: instalou-se em Portugal, na maioria dos cidadãos, uma atroz iletracia, um profundo desconhecimento da Língua Mãe, da sua riqueza ortográfica e gramatical que apenas faz com que, cada vez mais, prolifere a pobreza e a grosseria como forma de comunicação, reiterando a preocupação sobre os efeitos perniciosos que essa mesma linguagem codificada e brejeira está a exercer na língua portuguesa. Apelo, deste modo, aos subscritores do Acordo Ortográfico para que se faça, de facto, uma reflexão mais aprofundada sobre o papel da Língua Pátria, como garante de civilidade de uma Nação em que o crescimento não poderá ser apenas no que se pode comprar, mas no que se pode aprender.

Por isso não posso estar mais em desacordo com a expressão «Palavras leva-as o vento», pois a Linguagem a única coisa que faz distinguir os Homens dos animais.

2 comentários:

Anônimo disse...

Irónica, satírica, elevada, cortês.
Vou nessa.
um abraço

A Lusitânia disse...

Obrigada. A elegância em tudo o que fazemos, o estudo e o trabalho serão sempre a única resposta à altivez da ignorância e da prepotência. No público e no privado.