sábado, maio 16

Regresso a Tróia - a José Leite de Vasconcelos; à Bettips (reed AGO 08.)





















TRÓIA, A CAETOBRIGA DOS ROMANOS?

Durante muito tempo, Tróia foi identificada com a Caetobriga de Ptolomeu e do Itinerário de Antonino (século III d.C.), sendo a ela conotada tanto por André de Resende como por muitos dos arqueólogos que aí trabalharam até ao século passado. No entanto, os recentes resultados de escavações promovidas em Setúbal vieram corroborar a opinião que Caetobriga fosse, efectivamente, a cidade que seu origem à actual Setúbal e não Tróia.

Gaspar Barreiros‚ o primeiro autor que faz referência a Tróia, " a qual Troia cuidaram alguns ser Salacia", sustenta serem as ruínas de Tróia os vestígios da cidade de Cetóbriga, de cujo nome derivam igualmente o nome da península e o da cidade que se ergue na outra margem - Setúbal. Setúbal, segundo o mesmo autor, "...reteve o nome corrupto de Cetobrica, o qual nome de Cetobrica se corrompeu em Cetobra e depois em Tria onde ela foi".
Refere-se este autor aos tanques de salga de peixe de Tróia como:"salgadeiras em que se curava o peixe."
André de Resende, escritor e "arqueólogo" quinhentista, aí realizou as primeiras pesquisas de que há notícia. Como umas das figuras mais proeminentes do Humanismo Português, não será de admirar a curiosidade e fascínio que todos os testemunhos do passado clássico tenham exercido sobre este escritor. Na sua obra "De Antiquitatibus Lusitaniae", Liv.IV - "De Cetobriga" retoma a argumentação de Gaspar Barreiros, afirmando: "Corrumpi coepit nonem in Cetobram, quam postea multo corruptius vulgos ineruditum triam fecit".

No início do século XVII, Fr.Bernardo de Brito retoma a mesma identificação escrevendo:"nos tempos antigos florescera na povoação de Cetobriga a que os moradores da terra chamam Troia".

Duarte Nunes de Leão, por sua vez, refere-se-lhe da seguinte forma:"Cetobriga que vieram corromper o nome de Setúbal para onde passou, foi também situada em uns areais onde chamam agora Troia".

Muitos autores insistem nesta identificação, de João Batista Lavanha a Frei António de Santa Maria, Carlos Ribeiro, entre outros. João Batista Lavanha na sua "Viagem da Catholica Real Magestade del Rey D.Filipe II a Portugal", de 1622, diz que:" Setuval. He hua das maiores, & mais assinaladas villas de Portugal, por causa do seu porto formado do Rio Cadão, que alli entra no Oceano, & de huma lingua de terra que o mar ha estreitado. Nesta lingua de terra que fica de fronte da villa, ouve na antiguidade hua povoação chamada Cetobriga .... onde ainda oje se vem os vestigios de tanques em que se salgarão os atuns, & outros pescados, & aparecem as ruinas de outros edificios de aquella cidade, & dellas se tirão estatuas, columnas, & muitas inscripções, que entre outras antiguidades dignas de eterna memoria se conservão na casa do duque de Aveiro".
A estas ruynas chama o vulgo Troya com que quer dar a entender que são da povoação que alli ouve".

Em 1895, José Leite de Vasconcelos faz uma reflexão sobre este assunto e considera a identificação despropositada sob o ponto de vista linguístico:" Troia nada mais ser do que uma designação litteraria dada anteriormente ao seculo XVI às ruínas; para afirmar isto, fundo-me em que não são estas ruinas as unicas assim denominadas: no termo de Chaves ha outras ruinas a que se dá o mesmo nome de Troia".

A partir de 1957, volta a reacender-se o problema da localização de Cetobriga, uma vez que as escavações que o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal revelaram a existência de um importante centro urbano da época romana. Tinha sido finalmente localizada a Cetobriga dos Romanos!

Em 1960, José Marques da Costa em "Novos Elementos para a localização de Cetobriga diz a propósito deste assunto: "Caíu, há muito tempo, no campo das hipóteses indefensáveis, não sem que, antes, durante séculos, tivesse sido aceite e divulgada como verdade averiguada e incontroversa. Hoje, vergada sob o peso da provecia idade de quase quatrocentos anos - motivo de aparente autoridade! - não passa de sobrevivência dos estudos arqueológicos do Quinhentismo, incipientes, simplistas e falhos de fundamento".

O designação da Tróia romana permanece, apesar de todas as pesquisas feitas, entre as quais muito se distingue Marques da Costa (arqueólogo que nada tem a ver com o homónimo acima mencionado), no início do nosso século, uma questão em aberto. Reconhecem os arqueólogos a possibilidade de o topónimo que hoje conhecemos ter conotação com a Tróia homérica, dado o seu desaparecimento misterioso e a sucessiva invasão que as areias fizaram às ruínas.



TRÓIA,SUA HISTÓRIA
AS PRIMEIRAS INTERVENÇÕES ARQUEOLÓGICAS



Crismon da Basílica Paleocristã de Tróia, segundo desenhos de Marques da Costa

















(Frescos da Basílica paleocristã de Tróia)

Retomando as referências a Tróia, de Setúbal, encontramos vários documentos datados já do século XVI.

De 1502 data um, através do qual a Ordem de Santiago dá o terreno de Troia, pertencente ao seu vasto domínio, em regime de sesmaria. Encontramos ainda um auto de visitação da mesma ordem à Ermida de Nª Sra.de Tróia.

Em 1700, Fr. Agostinho de Santa Maria refere-se, no Santuário Mariano, muito provavalmente ao "Templo Paleocristão" (que amanhaã irei de novo visitar) do seguinte modo:"sepultado na areia e debaixo dela um templo gentílico , com colunas e capitéis de que ainda tem um notavel fabrico"."

Ainda no século XVIII se encontram documentos sobre o emprazamento de Tróia, que, tal como o estipulado no de 1502, salientam: "fica de fora a pedra, que todos poderão tirar para fazerem casas e moinhos e os possuidores de sesmaria não poderão tolher a qualquer pessoa que a queira ir buscar". Esta regulamentação justifica-se pelo facto de não existir pedra em toda a Península e toda ela ser trazida pelos Romanos de diversificados locais, designadamente a Serra da Arrábida.

Este tipo de referências repete-se por todo o século XVIII, em registos notariais, o que manifesta a destruição progressiva, mas consentida, de que este sítio foi alvo desde o começo do século XVI.

As mais antigas escavações arqueológicas em Tróia datam do tempo da Infanta D.Maria, futura Rainha D.Maria I, e incidiram na zona residencial das ruínas, pelo que ‚ denominada essa zona, desde essa altura, como "Rua da Princesa". O espólio exumado nessas explorações foi totalmente disperso. À então Vila de Setúbal foi oferecida uma coluna e um capitel coríntio, reutilizado, mais tarde, como pelourinho, ainda hoje existente na Praça Marquês de Pombal, nessa cidade.

Em período posterior, em 1850, a Sociedade Arqueológica Lusitana iniciou aí trabalhos de que há relato e cujos Diários das escavações de Tróia, foram publicados na Revista Popular:

"Foi por entre todas essas festas e galas, sempre acompanhadas de um vivo enthusiasmo, nascido das mais seductoras esperanças, alimentadas e fortalecidas … sombra grandiosa da alta protecção de um monarca e de um duque notavel e poderoso, que a Sociedade Archeologica deu começo às escavações.
As primeiras foram effectuadas desde o 1º de Maio até 2 de Junho de 1850 e logo com optimos resultados, cujas not¡cias muito satisfizeram a El-rei e não menos ao Duque.
................
Em resultado das pequenas excavações feitas colheram-se muitas e diversas antigualhas romanas, mas não tendo podido ser collocadas no Museu de Setubal como determinavam os Estatutos, força foi que ficassem em poder de alguns socios em quanto, por falta de meios, não houvesse casa apropriada".



(A Rua da Princesa, segundo desenhos de Marques da Costa)

A Sociedade Arqueol¢gica Lusitana tinha surgido em 1849, impulsionada pelo Padre Manuel de Gama Xarro e por João Carlos de Almeida Carvalho, a que se foram, a pouco e pouco, juntando outros estudiosos.

O primeiro Duque de Palmela, que visita as ruínas de Tróia, a convite desses estudiosos, em 1849, é também convidado a ser protector da Sociedade, qualidade que reclina para El-rei D.Fernando II, que virá a ser efectivamente o protector da Sociedade.

O Duque de Palmela profere em Setúbal um discurso em que afirma:

"Foi hoje a primeira vez que tive o gosto de visitar as ruínas da antiga Cetobriga e, pelos vestígios das construções que ali observei, fiquei sumamente esperançado de que grandes vantagens arqueológicas, científicas e artístiocas se podem obter por meio duma bem dirigida escavação, e da qual poderão resultar muita honra e vantagem para esta País e com particularidade para a Vila de Setúbal, sede desta respeitável associação.
Quando porém mesmo esses achados de preciosidades se não realizem de todo, ao menos sempre um grande proveito se tirar das escavações intentadas: descobrir-se-ão essas ruínas, marcar-se-á a sua extensão, e finalmente fixar-se-ão mais as ideias para se resolver um ponto de história e de geografia, que até agora não tem sido esclarecido pelos nossos escritores, história na verdade muito misteriosa, relativamente à fundação desta populosa cidade, cuja existência deve ser de mui remota antiguidade".

Em 1850, são publicados na Imprensa Nacional os Estatutos da Sociedade Archeologica Lusitana, Associação essa que se pode considerar a precursora da Real Associação dos Arquitectos e Arqueólogos Portugueses.

Mas a ela, voltarei outro dia que longo vai este apontamento ....


Baptistério de Tróia e sua localização, segundo Marques da Costa

7 comentários:

bettips disse...

Que viagem encantada...virando os olhos para as pedras (ignorando torres e golfs), mais o mar e o Sado ali ao pé.
Se fosses princesa, levava-te a sombrinha... se fosses "menistra" levava-te a pastinha! Assim, mulher ao luar, leva-me no pensamento.
Bj

pinto disse...

Perguntava-lhe como conseguiu visitar as ruínas já que pelo que sei encontravam-se fechadas
Com os meus cumprimentos
Rui

pinto disse...

Perguntava-lhe como conseguiu visitar as ruínas já que pelo que sei encontravam-se fechadas
Com os meus cumprimentos
Rui

Raquel disse...

gostava de saber se é possível ver as ruinas indo só de ferry, ficam longe do cais? mais ou menos quanto tempo a pé?encontrei este blog por andar à procura de informação, agradecida pela atenção, raquel

A Lusitânia disse...

como o hei-de esclarecer se não tem acesso ao seu perfil? há visitas agora organizadas. Deverá contactar a Dra Inês Vaz Pinto, arqueóloga da Soltróia. No entanto dei referências numa outra edição (acima)

A Lusitânia disse...

Raquel, vou acrescentar informação na edição em que refiro as visitas.

pinto disse...

Agradeço a informação
Com os meus cumprimentos
Rui Pinto