domingo, dezembro 14

Cadáver adiado que procria, in «Uma Estátua para Herodes», Natália Correia (reed.)


Não hesito em convidar-vos para o espectáculo da vossa cobardia, esse vício pusilânime da posteridade que vos faz estimar o que vos enfraquece. A cobardia é muito engenhosa. Engendra filhos para se esconder neles.
A espécie está corrompida não pelo instinto de conservação de que se nutre, mas pela decomposição dessa força instintiva em valores de auto-destruição. Reproduz-se o homem para resistir à fatalidade da sua condição mortal. Para resistir noutro, o que equivale a uma vontade do nada pessoal. É como ser enfraquecido pela fatalidade da morte que o homem se reproduz. A necessidade da espécie exerce, assim, na consciência de cada um, um magistério de morte e não de vida.
Para alimentar o monstro parado da espécie, o homem desaparece necessariamente no filho».



Natália, Natália que bem pensavas e melhor escrevias.
Coragem no peito que, ardente, gritava verdades que ninguém queria ouvir.
Saudades, sim, dessa gente como tu que está a desaparecer, porque vão fazendo, não só da procriação, como da sua própria vida a máscara de cobardia e da desculpabilização com que se quer esconder. Ai Natália, nunca me cansarei de te ler.

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