sábado, dezembro 20

O dia dos Vizinhos (reed. 30.08.08)


A minha mãe, à direita; a avó Olívia, ao meio, e a tia Henriqueta à esquerda. 1957


Ao Antonio Angellilo (A PRESTO)

Em Angola, onde viveram grande parte das suas vidas, para além dos netos herdados e dos filhos, as casas e os quintais eram habitados por outros tantos miúdos.O calor propiciava a rua e as bicicletas invadiam-nas, logo que as horas da escola o permitiam. Muros, para que serviam se afinal eram tão fáceis de saltar? Namoros, zangas e segredos aprendi-os eu entre vizinhos e parentes.

Mas curiosamente ainda ontem à noite conversava com um amigo meu, nascido em Nápoles, que, a propósito da morte da sua mãe, o ano passado, tem encontrado vários familiares; e que, assim, tem ouvido falar da "arquitectura" dos afectos entre vizinhos em alturas de guerra; da partilha do pouco que existia; das sopas de caldo
feitas com o que cada um dava; dos fins de dia intermináveis de conversa. Dessa "arquitectura da vizinhança", hoje quase desaparecida nos grandes centros urbanos, em que a construção em altura, sem pátios, praças ou jardins dificultou a capacidade de reunião, protegendo, deste modo, os bens mais exaltados do século XX: o individualismo e a família (restrita).
Porque de uma liberdade de espírito - afinal sempre houve diferenças em todos os tempos, mesmo quando o pensamento parecia mais "homogéneo" - conquistada na comunidade, se passou a uma liberdade assente na solidão, sem confrontos, mas também sem partilha.
Assim, este apelo à vizinhança parece-me ser um bom grito pela solidariedade, libertos que estamos todos já do pânico dos comportamentos esteriotipados que nos exigia uma noção de comunidade mais ensimesmada.
Vou continuar a desejar que a minha filha partilhe dos seus vizinhos, pois mesmo em Lisboa, em alguns bairros, embora cada vez menos, é possível que os jardins e as ruas sejam de todos e que as palavras ainda vão dando as mãos.

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