quarta-feira, outubro 8

PORQUE SOU REPUBLICANA?

PORQUE SOU REPUBLICANA?

Filomena Barata







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Filomena Barata

PORQUE SOU REPUBLICANA?
Tendo-se comemorado o 104º ano da implantação da República, e porque lamentavelmente este já não é assinalado entre os feriados oficiais, mais me faz recordar os motivos porque sou efectivamente republicana.

Poderia resumi-lo assim: 
É muito simples: porque acredito que a Sabedoria; a Força e a Beleza não são hereditárias mas uma Construção. 
Todos nós podemos ser sábios, belos e fortes!

Não posso esquecer ainda que, para além de muitas outras questões em que, do meu ponto de vista, o novo regime permitiu a consolidação de valores universais como a Igualdade, Liberdade e Fraternidade, gostaria hoje de relembrar o fomento do ensino e da formação como um dos mais fortes investimentos feitos pela República, em prole da Cidadania e das Mulheres.

Mas o que, particularmente, desejo salientar é o papel que as mulheres desempenharam na implantação da I República e o que, posteriormente, puderam desempenhar, se bem que exigindo grande empenho e luta, pois muitas das medidas que preconizaram acabaram por não se concretizar totalmente, nomeadamente o Sufrágio Universal que algumas acalentaram como esperança na República.

Assim, servindo-me da obra «Mulheres e Republicanismo» passo a citar Ana de Castro Osório, fundadora da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas:

«Foi a mulher republicana quem educou muitos dos republicanos de hoje, foi a mulher que detestava a monarquia corrupta quem mais seguramente preparou este surdo estado de revolta, em que a sociedade portuguesa tem vivido …(…).

A revolta da mulher levou anos a explodir, mas nem por isso foi menos firme, nem por isso menos nociva ao velho estado de coisas.

Mas quando em Portugal a mulher, que é atavicamente modesta e presa a preconceitos, pôde reunir-se numa agremiação, como a nossa, ostensivamente política e de propaganda social, é que o regimen se devia ter considerado morto. Não era pelo mal que nós lhe podíamos fazer, mas era pelo que representava de sintomático para a monarquia em descalabro. Que eles avaliaram bem a força moral que a liga representava, prova-o o ódio que lhes votaram os reaccionários, o ridículo que sobre ela quiseram lançar, a guerra desleal e ignóbil que nos moveram individual e colectivamente. (…)

A República precisa de nós; não lhe regatearemos o nosso apoio. Defendamo-la dos seus inimigos, defendamo-la dela própria se alguma vez fraquejar no seu caminho rasgadamente progressivo e libertador.(…)
Não o esqueçamos! O povo português precisa de nós, que somos as suas mulheres, as mães dos cidadãos de amanhã, as educadoras, as companheiras livres numa sociedade libertada».

 “Eu (…) quero a República como libertação e felicidade para as mulheres, visto que a humanidade é composta dum só grupo de animais, indiferentemente masculinos ou femininos”.

Citação a partir de: Mulheres e Republicanismo (1908-1928), João Gomes Esteves


E repetiria eu, “a República ainda precisa de nós”.


Não me prenderei, portanto, aos inúmeros estudos felizmente já existentes e publicados sobre este tema a que, entre tantos outros investigadores, se têm dedicado acerrimamente Natividade Monteiro, quer com a sua obraMemórias de Maria Veleda, quer outros trabalhos desta especialista em Estudos sobre as Mulheres; de João Gomes Esteves com o seu notável trabalho sobre «Mulheres e republicanismo (1908-1928)» também entre muitos outros; ou de Maria Alice Samara; Isabel Baltazar, designadamente no trabalho «Operárias e Burguesas. As Mulheres no tempo da República», editado em Faces de Eva, nº19; de Isabel Losada de que destaco a obra Perfil de uma pioneira: Adelaide Cabete (1867-1935), Livros República, Associação Cedro/Fonte da Palavra, 2011 e cuja obra também se espelha no belíssimo blogue da autora Mulheres, Poesia, Literatura http://lousadaisabel.wordpress.com/
ou ainda o notável trabalho desenvolvido pelo Projecto Faces de Eva - Centro de Estudos sobre a Mulher, uma unidade de investigação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, bem como a sua revista, não esquecendo o trabalho de Zília Osório de Castro e mesmo o empenho de divulgação sistemático desenvolvido por Cristina Duarte de Duarte no seu blogue «Cidade das Mulheres»,http://acidadedasmulheres.blogspot.pt, mas tentarei fazer somente através da vida de algumas dessas mulheres o espelho do que representa para mim a República no feminino.

Num belíssimo artigo intitulado «Quando as feministas influenciaram o poder», publicado em 2010 no Jornal Público, datado de 27/08/2010, http://www.publico.pt/temas/jornal/quando--as-feministas-influenciaram--o-poder-19991625, a jornalistaSão José Almeida faz uma belíssima resenha sobre o papel da Mulher na transição do século XIX para o XX e ainda sobre os primeiros anos da República. Apoiar-me-ei nesse texto para, em conjunto com todos os trabalhos que tive a possibilidade de consultar acima referidos, poder manifestar o apreço pela luta dessas mulheres que contribuíram também, pelo seu exemplo, para que eu seja republicana.

Refere a autora do artigo mencionado que, em 18 de Maio de 1906, é criada a Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz em sessão realizada na Sociedade de Geografia, em Lisboa que consistiu na «Conferência sobre o Problema feminista, proferida por Olga de Morais Sarmento, feminista monárquica, que dirigiu esta associação ao lado de figuras como Emília Patacho, Domitília de Carvalho e Virgínia Quaresma.

Em Dezembro desse ano, nasce uma segunda associação feminista que ainda junta monárquicas e republicanas. (…) Reúne figuras como Magalhães de Lima, Alice Pestana, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Jeanne Paula Nogueira e Olga Morais Sarmento. E também Carolina Ângelo e Adelaide Cabete, que deixarão a organização em 1909.

Em 1907 é fundado o Grupo Português de Estudos Feministas, por Ana de Castro Osório, para doutrinar as mulheres. É ainda uma organização pacifista, mas já maçónica e republicana. No ano seguinte, o Grupo de Estudos dissipa-se e integra a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP) fundada em 1909 e que dura até 1919. A Liga é apadrinhada por figuras maiores do Partido Republicano e do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU): António José de Almeida, Bernardino Machado e Magalhães Lima, que será grão-mestre entre 1907 e 1928».

De cariz claramente republicano, a Liga empenha-se em defender a Lei do Divórcio, a revisão do Código Civil e Direito da Família e direitos sociais.

Fundada pelas quatro grandes feministas (Carolina Ângelo, Adelaide Cabete, Castro Osório e Maria Veleda), torna-se, como bem refere São José Almeida no seu artigo, a maior e mais influente organização feminista, acrescentando que a «sua abrangência manteve no seu seio tensões entre mulheres com concepções opostas sobre a questão religiosa e sobre o sufragismo. Essa tensão foi personalizada por Ana de Castro Osório, mais moderada, não revolucionária, sufragista, partidária do voto só para as mulheres da elite e seguidora da tolerância religiosa, e Maria Veleda, que defendia a revolução antes do 5 de Outubro, o voto igualitário e que era anticlerical».

Da vida de todas estas mulheres de condições socio-económicas diferentes; de profissões diferenciadas, ou mesmo com posicionamentos políticos que, por vezes, as acabaram por distanciar, saliento, contudo a comum determinação pelos ideais que abraçaram, a vontade de fazer vingar os direitos iguais e uma maior equidistância social, o papel que tiveram como professoras, formadoras, jornalistas, panfletárias, escritoras ou médicas.
Carolina Beatriz Ângelo afirmaria em 1911, em entrevista dada a O Tempo

"Reclamaria todas as medidas que considero necessárias para modificar a situação deprimente em que se encontra a mulher, (...) [entre elas] conseguir a igualdade de salários, quando a mulher produza tanto como o homem."

Notável é o exemplo de Carolina Beatriz Ângelo que desafiou o poder político sendo a primeira mulher a votar por se sentir nesse direito, pois era letrada e “chefe de família” por ser viúva.


Persistentemente não desistiu das dificuldades que lhe foram colocadas e acabou por conseguir exercer o direito ao voto na Assembleia Eleitoral de Arroios, a 28 de Maio de 1911.

Além de ser sido a única participar no escrutínio, salientou-se por ter sido também a única que defendeu o serviço militar obrigatório para as mulheres, defendendo que estas desempenhassem funções administrativas, enfermagem, em serviço de ambulâncias, nas cozinhas, entre outras.

Na sua carreira médica destaca-se o facto de ter sido a primeira mulher portuguesa a operar no Hospital de São José, sob a direcção de Sabino Maria Teixeira Coelho. Exerceu funções como médica no Hospital de Rilhafoles, sob a orientação de Miguel Bombarda, e dedicou-se à Ginecologia.

Mas a atividade profissional de Beatriz Ângelo nunca deixou de se compaginar com uma intervenção política e social intensa e marcante, pois foi uma das principais activistas da sua época, defensora dos direitos das mulheres, da sua emancipação e do sufrágio feminino, tornando-se uma figura central no feminismo português ligado ao pensamento republicano que teve outras grandes referências como a médica ginecologista Adelaide Cabete (1867-1935); a escritora Ana Castro Osório (1872-1935) e a professora Maria Carolina Frederico Crispim (1871-1955), que ficou conhecida como Maria Veleda.

A vida desta última que, por contingências várias, foi de particular dificuldade é um exemplo de coragem e persistência e um exemplo para a República.

Sobre esta extraordinária mulher, afirma Maria José Franca:
«Há 104 anos, Maria Veleda já tinha começado a sua luta (desde 1905) em prol da República e dos ideais de «Liberdade, Igualdade, Fraternidade». Participou no «5 de outubro de 1910». Sofreu, chorou, também foi feliz. Viveu com intensidade todos os momentos da sua vida»

Empenhou-se pelo direito das mulheres ao sufrágio universal, efectuando petições, discursos e chefiando delegações junto dos Órgãos de Soberania.

Foi dirigente da " Liga Republicana das Mulheres Portuguesas", entre 1910 e 1915. Era anti -clericalista, o que lhe casou muitos dissabores, quer pela facção mais conservadora da Igreja, quer pelos adeptos da Monarquia e por se sentir próxima das classes mais desfavorecidas fazia palestras para as mulheres operárias.

Após a revolução republicana fez parte de um grupo chamado " Pró-Pátria" que percorreu o país em defesa do regime implantado.

Eu tinha uma ardente esperança no futuro; e a minha propaganda era iluminada pelo clarão abençoado na fé num mundo novo, liberto de injustiças – um mundo sobre que a Fraternidade desdobrasse o seu manto protector.” (na defesa dos ideais da República)

Maria Veleda, cit. in «Memórias de Maria Veleda» de Natividade Monteiro


Na fotografia:

Grupo das Treze, fundado por Maria Veleda, em Maio de 1911, para combater a superstição. Em 1.º plano, sentadas a partir da direita: Judite Pontes Rodrigues, Carolina Amado, Ernestina Pereira Santos, Lídia de Oliveira, Maria Veleda, Antónia Silva e Adelina Marreiros. Em 2.º plano, em pé: Honorata de Carvalho, Mariana Silva, Filipa de Oliveira, Berta Vilar Coelho, Lénia Loyo Pequito e Carolina Rocha da Silva. (Foto legendada por Natividade Monteiro in «Memórias de Maria Veleda»

Por sua vez, Adelaide Cabede, de origem bastante humilde e órfã começou a trabalhar muito nova na apanha da ameixa e trabalho de serviço doméstico em casas ricas de Elvas.
Tendo contraído matrimónio com o Sargento Manuel Fernandes Cabete, que era republicano, este torna-se uma figura central na sua vida, tendo-a lançado na militância republicana e feminista e a incentivado a estudar. E é em 1889, com vinte e dois anos que faz o exame da instrução primária tendo, em 1894, finalizado o curso liceal.

Em 1895, mudam-se para Lisboa, onde se matriculou no ano seguinte na Escola Médico-Cirúgica, concluindo o curso em 1900 com a tese dedicada à Protecção às Mulheres como meio de promover o desenvolvimento físico das novas gerações, tornando acabado por ser obstetra e ginecologista.

Adelaide Cabede participou activamente na propaganda que antecedeu a mudança de regime em 5 de Outubro de 1910, escrevendo contra a Monarquia e os Jesuítas, sendo notórios os seus ideais republicanos, também aplicados no interior da Liga Republicana das Mulheres, a que esteve ligada.


Foi uma das principais feministas portuguesas do século XX e, durante mais de vinte anos, presidiu ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, tendo reivindicado para as mulheres o direito a um mês de descanso antes do parto, e, em 1912, o direito ao voto feminino, sendo em 1933  a primeira e única mulher a votar, em Luanda, a Constituição Portuguesa. Desempenhou um notável papel como pacifista, abolicionista e humanista.

Mas não posso esquecer, tanto mais que a História não lhe deu tanta relevância, Alda Guerreiro, oriunda de uma família com tradição no campo das artes e letras (seu pai era pintor), nascida em Santiago do Cacém, em 1878. 
O seu ambiente familiar favoreceu o desenvolvimento de uma grande sensibilidade e espírito crítico social, tornando-se uma notável poetisa. 
A sua obra não foi ainda compilada e publicada em livro, encontrando-se, por isso, ainda dispersa por jornais e revistas da época, pese o trabalho que o historiador João Madeira lhe tem vindo a dedicar.
Alda Guerreiro que conviveu com a época de uma enorme agitação política, na sequência das lutas partidárias – desde o regicídio do rei D. Carlos, passando pela implantação da República até ao período conturbado que se seguiu - pertenceu à geração dos intelectuais do séc. XIX e, tal como eles, aderiu à causa republicana. O seu nome ficou também ligado ao ensino, tendo fundado inclusivamente uma escola primária em sua casa. Desempenhou assim um papel fundamental na educação, tendo-se pautado por reconhecer a necessidade de formação das mulheres e do ensino popular.
Republicana convicta, desenvolveu uma actividade notável como escritora, jornalista e pedagoga a bem dos valores que defendia.
E porque urge cumprir a República, partilho um dos seus poemas, terminando.


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