sexta-feira, janeiro 25

A propósito do conceito de Território ...


TERRITÓRIO - Do lat. territoriu

"Possuir" a terra foi, desde tempos pré-históricos, querer tocar a essência divina. ... Adão, o primeiro dos Humanos, criado a partir do barro, é um ser orfão, porque apesar de Deus lhe ter concedido um espaço vivencial - o Paraíso - perde-o. Torna-se num ser errante sem domínio da terra de que foi criado, errância que a luta fraticida entre Caim e Abel irá acentuar, porque Deus disse a Caim, depois de saber do seu crime: "Que fizeste? Escuta! O sangue de teu irmão está clamando a mim desde o solo. E agora, maldito és, banido do solo, o qual abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue de teu irmão. Quando lavrares o solo, não te dará de volta seu poder. Tornar-te- ás errante e fugitivo na terra".
Aos povos nómadas irão sobrepor-se as estigmatizadas civilizações sedentárias, a leste do Éden, que buscarão, sem nunca o encontrar, o Paraíso Perdido. Pinturas rupestres do Neolítico e do Calcolítico atestam essa transformação, e os primeiros instrumentos de lavoura são representados como objectos de uma iniciação. Desde então, passou o Homem a adorar a Terra, a Grande Mãe, o fértil Nilo e a cruel Ceres.
Os Gregos criam que no princípio havia a Noite e, ao lado, o Érebro, seu irmão e criador das Trevas, coexistindo no seio do Caos, o Vazio. Mas um dia Érebro desce e liberta a Noite, que se transforma numa esfera imensa. Das duas metades em que se separa nascer Eros. Uma das metades ser o Céu e outra a Terra. Da união de Urano (o Céu) e de Geia (Terra) foram criadas todas as essencias divinas: Titândes, Titãs e Ciclopes que viviam nas profundezas da Terra. Geia quis libertá -los e Urano não deixava.
Um dia, quando Urano a envolvia, em concluio com o seu filho Crono a quem ofereceu uma foice muito aguçada , foram-lhe cortados os testículos. O sangue da ferida caiu sobre a terra e fecundou-a, ficando Crono a reinar sobre ela, transportando, também, consigo a maldição do seu crime.
Mas nunca o Homem sentiu como hoje deserdado e ameaçado no seu território, porque a " influência do meio urbano e industrial faz aparecer novas raridades: o espaço, o tempo. a verdade, a água, o silêncio..." (Baudrillard, A Sociedade de Consumo) e até essas se lhe vão escapando.
E o "direito à terra" propagandeada em slogans como "a terra a quem a trabalha", se bem que protagonizando uma tentativa de equidade, acabou por acentuar a dessacralização do espaço, tornando-o também numa mera mercadoria mensurável, desprovido de uma narrativa mágico-simbólica.
O Homem perdeu, de vez, a oportunidade de dominar a Terra... Mas nem por isso (ou talvez ainda mais por esse factor) deixou de a sonhar povoada de fantasmas, duendes, Titãs e Titânides.
Não lhe restando senão imaginar-se e projectar-se em privacidades possíveis, em vivências individualmente demarcadas ou em feiticismos ancestrais, é solitariamente que busca o seu caminho sobre a Terra-Mãe, porque a isso relegaram os Deuses os seres que um dia procuraram possuir a Terra ou o Fogo (v. Prometeu Agrilhoado , Ésquilo).

Porque se apressam tanto a querer demarcá-lo?


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