quinta-feira, março 1

O discurso no feminino: A mulher não nasce Mulher: «tem que aprender a ser Mulher» (reed. de de Maio 2008)















(À Mariana, todos os meus dias. À Nô que tão minha também é.
À minha mãe, por tudo que com ela aprendi, lutadora que sempre foi.
À minha família de seis mulheres, de novo, e sempre!
À Tita, à Cristina Duarte, à Ana Matos Sequeira, à Pascale, à Guida, à Carla Oliveira, à Elsa Caeiro, à Susana Correia, à Gabriela Cabeça, à Célia e a tantas outras mulheres grandes que tenho conhecido. Por tudo o que me ensinaram, cada uma de sua forma, sobre o que é ser Mulher)


Ainda a propósito de um texto de que muito gostei e que referi em edição publicada há um tempo atrás «Um jogo sujo, jamais despercebido», sobre a violência psicológica, violência que, sendo a mais grave e danosa, até porque é a socialmente mais escamoteada, gostaria de reflectir um pouco sobre o papel que a maioria das mulheres portuguesas continuam a desempenhar na manutenção do que mais cruel há para o crescimento dos seus pares e dos filhos, mais especificamente os rapazes.

Escamoteando temores, inseguranças, ou legítimas fragilidades(quem não as tem afinal? Quem tenha a veleidade de dizer que não as tem, que levante o dedo ... eu, certamente, não), quantas mulheres continuam a desejar que os seus maridos e filhos sejam eternas crianças, a quem ralham, mas a quem amparam toda a espécie de desaforos, acabando por os proteger, e a alimentar entidades forjadas, mesmo depois de terem sido confrontadas com a realidade e sendo conhecedoras do que consideram elas próprias enormidades cometidas contra a sua dignidade?

E, tal como alguns viciados, replicam sistematicamente o método, porque julgam que o mesmo surtirá o efeito desejado.
Pactuando com as suas meias verdades ou omissões... (acabei eu própria por já o ter feito, assumo-o, mesmo sem me dar conta de que o estava a fazer).

Só que não posso é conceber que esse seja um modelo sistemático, recorrente, e a forma de poder de muitas mulheres: a desculpabilização e desresponsabilização dos outros (os seus) como mecanismo de manutenção das relações familiares, culpando sempre o exterior de todos os acontecimentos menos agradáveis, como forma de salvaguardar a sua "estabilidade".
São torreões construídos com o eterno medo do exterior! Porque, para elas, é o exterior que tem semre inimigos a combater. Evitando o dentro que há para avaliar.

É, numa espécie de jogo de gato e de rato, com regras iguais ou similares, cumpridas pelos elementos do clã, usando pressões psicológicas, onde se perpetua a mentira, usando-se, tantas vezes, a chantagem como arma de arremesso, pois sem esse exterior "ameaçador", que há que combater a todo o custo, usando todos os meios possíveis, ficará difícil a manutenção da "realidade" em que se sustentam essas relações.

Porque, ao optar-se pela verdade, o que restaria para conquistar exigiria trabalho árduo, combativo, difícil, quase "arqueológico" ..., pois as relações que se baseiam na verdade são sempre muito difíceis de conquistar.

Assim Mulheres, enquanto houver uma mulher que seja discriminada, em casa ou no trabalho, por ter aprendido a ser mulher, de facto; a ter corpo, alma e olhar; por ser mulher apenas: ou enquanto houver mulheres que se sustentam alimentando o que de mais pernicioso há na infantilização e na desonestidade masculina que daí advém (cuja natureza é tão infelizmente condicionada pela educação que impele para a mentira, ou para a efabulação - perdoem-me os homens que souberam, efectivamente, crescer -) atacando as outras mulheres que aprenderam a sê-lo, pactuando e expandindo em todos os que as rodeiam o raciocínio mais machista que pode haver, que se sintetiza na frase tão tipicamente portuguesa «Mulheres honestas só há duas: a minha mãe e a minha mulher», enquanto existir tudo isso, serei FEMINISTA, sim senhor!

Como denunciarei a fome, um que haja que dela padeça.

Não me peçam que cale, pois calar é tão bem (também) consentir. É pactuar.
E pactuar com a chatangem, a ameaça e a mentira, mãe de todos os pecados capitais, é aceitar a ira, a soberba, a cobiça e todos os outros mais. E, contra isso, não me calarei!

P.S: Que fique claro que não estou a fazer qualquer discurso anti-família, anti-Homem ou anti-equilíbrio de grupo ou agremiação, independentemente das ideossincrasias que as todas possam ter.
Cada um saberá escolher e encontrar o seu caminho, desde que se respeite o exterior que, afinal, não é, não pode ser sempre a desculpa e o mal de tudo que nos possa acontecer.

Estou a denunciar, isso sim, e apelar à luta contra o uso da violência emocional, da chantagem como arma de arremesso contra quem não queria pactuar com a mentira, bem como denuncio a manipulação, usando ou "roubando" os afectos de outrém; estou a denunciar, reitero, o pacto com a linguagem machista que ainda serve de sobrevivência para tantos clãs.

E denunciar, também, as mulheres que, tratando os homens como eternas crianças, acabam por acusar as outras mulheres daquilo em os homens participam de pleno direito, vontade e desejo, mas, nem sempre, de forma adulta e responsável.
E ao agir assim, nunca crescerão!

Calar-me contra essa violência? Isso não, não me calarei.
Apenas porque a mentira e tortura emocional que dela advém é tão ou mais gravosa do que outra qualquer.
Sobre tudo o resto? Equilíbrios frágeis?
Todos os temos e resta-nos saber conquistá-los. Tarefa essa difícil, a nossa, dos Homens e das Mulheres!


Viva o ano das minhas mulheres.



Fotografia de tatuagem:
Eduarda Abbondanza

4 comentários:

Anônimo disse...

O homem (humanidade)é a criatura mais imperfeita da criação. Dotado nos seus pontos cardeais com atributos contaditórios, - ferocidade, santidade,loucura e sabedoria, - o homem vive em permanente desiquili-
brio e a violência doméstica é transversal e horizontal. Também há mulheres que violentam fisica e psiquicamente os seus maridos e crianças que atormentam os pais. O retrato que pintas parece-me ser mais do passado. Há muita coisa que mudou e está a mudar. Já experimentaste fazer um artigo sobre as nanis? se o fizeres comentar-to-ei com uma história.
Um abraço. adriano

A Lusitânia disse...

Pois há ... mas por issotambém falei das mulheres que usam a violência contra o exterior como forma de defesa ....
Falo do Passado? Onde vives afinal?

Anônimo disse...

Eu estou de acordo com o teu artigo. Mas há que reconhecer que a violência doméstica é de grande complexidade e já esteve bem pior.
As mulheres já sofreram duma capitis diminutio, enclausuradas, humilhadas, com cintos de castidade, queimadas como bruxas, afastadas dos centros do poder, a quem nem uma migalhinha se dava. Hoje temos as mulheres em todos os centros de comando excepto do âmbito da religião que teima em não dar às mulheres o que elas merecem. . Espero que um dia lá chegaremos.
um abraço.
adriano

A Lusitânia disse...

Gostaria de relembrar que, em Portugal, ainda se faz uma «caça às bruxas», de caracter quase inquisitorial, delactor, chantagista, sem rosto e ameaçador, a quem concebeu um dia que a vida pudesse ser concebida de forma diferente do que a dos padrões ditos «instuídos». Mas, como comentou um dos leitores deste blogue a propósito do 1º texto editado, sobre a «Inquisição em Portugal» diria, parafraseando-o: «infelizmente ainda há quem viva assim, tem demorado mas acredito que não durem muito mais.....».