terça-feira, junho 10

À Natália Correia, de novo, a elegia do amor. Também para ti o meu Dia de Portugal, contraponto às belas "Cartas Portuguesas" (reeditado de JUN 08).





Felicidade?

Será pôr lençóis de flores na cama,
esperando no leito o macho manchado,
com o cheiro acre a outras mulheres?

Ou ter televisão a cores, no quarto onde vamos dormir?
Será a toalha de nylon, gasta, de tanto lavar ...?
pratos de pyrex leitosos, em Domingos, todos iguais?
e mesmo assim dizer ... sou feliz, com marido meu, pois está bem guardado,
no meu lar!

Continuando a dizer que sempre a mim vai regressar.
Doa o que doer, pois é esse o meu e o seu lugar.

E continuar a fingir, fingir mais, que se está a acreditar.
Sem frustação!?
Acordar amanhã para limpar o que ele fez, ou o não fez?
Limpar, lixiviar tudo, para continuar a não ver?

Será isso o meu Lar?
Deglutindo os restos do que os outros deitaram fora, e mesmo assim dizer
Júbilo o meu, orgulho este de Mulher.
A humilhação que seja a dos outros... pois é comigo que vai acordar!!!!

E, de novo, recorrente, "perdoar", "perdoar",
aquilo que até é vexame fazer. Pois não somos deuses nem tribunais, mas apenas mulheres.

Não, isso não, antes o copo de vinho bem bebido,
a insónia em pano de linho, mas bebida num copo de cristal
num segredo fino que cheira a morte, mas vivida
e na minha mão! Antes a solidão!
Ou um amante de ocasião...

Maio, Maio meu, que não desisti de viver
que não consegui apenas ser o que os outros esperam de mim!
As minhas mãos têm sentido sem quaisquer outras mãos.

O último golo sorvido?

com gosto a cicuta, a minha morte, mas é o meu.
Antes isso do que morrer nas tuas mãos!

E, de resto, amuralhar, amuralhar! Empurrar.
A tua ilha, emprestada, Natália, de aliança de brilhantes na mão?

Não isso não!
Mais depressa me afundaria nas ondas grandes do teu mar do que na loucura que os outros querem que eu seja

Afinal, se não te sentisses Circe, se não me sentisse eu, que também sou filha de boa gente, que seríamos nós então?

Porque não se retalha a pele dos outros nas rochas sem saber que as marés nos podem engolir também a nós.

Uma coisa é certa, o Sol não brilha agora na tua Ilha.
Porque sem Palavra haverá apenas lugar à penumbra, onde estás.


Por isso me socorro das palavras tuas Natália:


Eram nas Furnas, caldeiras
guelras que o vulcão abria.
Mas se enxofradas as sombras
em chumbo e cachão ferviam,
a luz por vales e lombas
em hortênsias de aspergia,
que não se ganham os deuses
sem demos por mais valia.
Por isso ali o inferno
com o céu não contendia.
Vai ´daí que me ficasse
esta concórdia sadia
de não frequentar negrumes
sem numes por companhia.
Ou o contrário se quiserem
que se Deus dá flor e fera
eu sou por esta harmonia.

Natália Correia, Singelinha, in Poesia Toda.

Um comentário:

linda david disse...

Não, isso não, antes o copo de vinho bem bebido,
a insónia em pano de linho, mas bebida num copo de cristal
num segredo fino que cheira a morte, mas vivida
e na minha mão! Antes a solidão!
Ou um amante de ocasião...

Maio, Maio meu, que não desisti de viver
que não consegui apenas ser o que os outros esperam de mim!
As minhas mãos têm sentido sem quaisquer outras mãos.

O último golo sorvido?

com gosto a cicuta, a minha morte, mas é o meu.
Antes isso do que morrer nas tuas mãos!


As palavras estão todas lá, as emoções à flor da pele e o grito ainda não saiu da graganta e já se ouve na terra inteira....