domingo, julho 15

Aos meus amigos e aos meus livros (reed.)



Os livros são como as pessoas, sem tirar nem pôr.
Quando redescobrimos alguns, não há meias-tintas na relação que com eles estabelecemos: ou os amamos de novo, com uma força ainda mais redobrada; ou então, sem nostalgia, pensamos que afinal já estavam mesmo mortos para nós.
Nos últimos dias tive estranhas redescobertas, algumas das quais não passaram senão de vozes distantes ou de folhas entreabertas: mas outras, que saudades ainda me conseguiram fazer ...
Desenterrei, de novo, livros da Ana Hatherly, que sei não conseguir largar tão rapidamente, ao ponto de até me invadirem sofregamente as horas de trabalho, onde costumo ser metodicamente espartana às invasões literárias.
Ando com eles atrás de mim, num saco prateado, como a capa do «Um calculador de Improbabilidades». Passeia-se comigo, o saco e o livro, e não os consigo deixar. Foram feitos um para o outro e para mim. Afinal, sem saberem, foram peças únicas, inventadas para mim! Sempre que posso abro o saco e o livro e deixo as palavras que lá estão escondidas passearem-se por dentro da alma.

A esses amigos, a esses livros devo grande parte do melhor que vive em mim. Para eles vai o meu saco com a Ana Hatherly dentro.

(À Cris)





















«Noite
Canto-te noite para que tu definitivamente
existas
Canto o teu nome porque só coisas cantadas
realmente são e só o nome pronunciado inicia
a mágica corrente
Canto o teu nome como o homem antigo fazia eclodir
o fogo do atrito das pedras
Canto o teu nome como o feiticeiro invoca
a magia do remédio
Canto o teu nome como um animal uiva
de noite
Como os animais pequenos bebem nos regatos depois
das grandes feras
canto-te noite
e tu definitivamente existes nos meus olhos
sempre abertos porque é sempre noite e os meus olhos
são os olhos da criança que nós somos sempre
diante da imensidão do teu espaço
noite

(....)
Noite Canto-te Noite, Ana Hatherly

2 comentários:

cris disse...

obrigada. Adoro a Ana Hatherly.
deixo aqui uma das suas «7 Tisanas inéditas», (1995), a nº239:
«Tudo está aqui para alguma coisa, para desempenhar um papel, uma missão, pensamos utilitariamente. Eu, gosto das portas. A porta entreaberta, por exemplo: irá fechar-se? irá abrir-se? dar passagem? Oh subtil porta que tão indiferentemente abres-fechas: nem sei se olho para dentro ou de dentro.»

bettips disse...

Noite/descanso.
Fechadas as portas dos olhos e arrumados os sacos prateados de lembranças.
Uma mulher quase modéstia de ser grande.
Bjinho