quinta-feira, maio 8

Ainda a Intimidade: a escrita



A intimidade não é senão a capacidade de construirmos o Universo, de respirar ouvindo o Nada, sentindo, contudo, o sangue a latejar.

A intimidade não é esconder, escamotear, velar, confundindo os sinais: é apenas saber viver o silêncio e morder as mãos quando o frio se instala no corpo, filtrando a luz que fere os olhos.
Tentando entender cada um dos significantes.
Para melhor aprender a dizer.

Tantas vezes foi a palavra o meu lugar de intimidade, tinta manchada na folha branca, tais símbolos desenhados de uma escrita iniciática, hieroglífica, pois há uma miríade de histórias contidas em cada um deles: Caixa de Pandora aberta no ar.

Múltiplas histórias somadas, desbobradas, múltiplos significantes nascidos da união desses sinais.
(Recorrente esta minha lembrança sobre a explicação que os Cabalistas fazem sobre a criação do Mundo, que, segundo eles, se deve à união casuística, aos olhos humanos, das letras do alfabeto, mas concertadas aos olhos do Divino).

Por isso, se a Palavra e, particularmente, a Palavra escrita pode prender, também nos pode libertar, consumando-se, desse modo, como Salvação.
Porque ela é uma extensão, um prolongamento enriquecido de nós.
Sedimentando, outrossim, a verdadeira Intimidade, pelo que se cresce, dizendo, e não pelo que não se consegue desvendar/desnudar, ou pelo que se quer escamotear.

(Relembre-se que a noção de Intimidade como a que pretendemos enaltecer nos nossos dias, quase reduzida ao "segredo", ao "mistério" (e não ao mistérico) no interior de cada casa, de cada quarto compartimentado, é um conceito introduzido pela burguesia oitocentista, fazendo sobrepor-se o velado ao pensado; o tido ao sentido; o fugaz ao que se vai apreendendo. E, não obstante, sempre houve pensamento e as suas múltiplas formas de expressão).

Quem teme afinal a Palavra proferida?
Apenas quem continua a querer que a vida escorra por entre os lugares ínvios da escuridão!
Manipulando máscaras (não de sentido Grego, teatral), mas enquanto processo de "reabilitação" da própria imagem.
Apenas teme a Palavra quem não se consegue confrontar com o valor que ela tem.
Com o espelho que a Palavra é, enquanto espaço único para o reconhecimento da alteridade.

Instalação: Charles Sandinson em exposição «A consistência dos sonhos»

3 comentários:

Anônimo disse...

Mena, sente-se em ti um enorme desejo da escrita, enquanto palavra firmada, enquanto extensão de ti. Continuo a gostar muito de te ler e vejo que a Bettips também.
E, dou-te razão, só se esconde no silêncio quem não saber que a palavra é como dizes «a única coisa que nos separa dos animais».
Como estás? Apenas vou sabendo de ti visitando-te aqui.

A Lusitânia disse...

O silêncio ´´e também, por vezes, uma forma de falar ....

A Lusitânia disse...

Outras vezes, o silêncio é um repouso, uma impotência ou uma incapacidade de falar.
Pela minha comunhão com a palavra, sei que o silêncio tem sentidos múltiplos. Por isso, talvez por isso, ele também pode ser aterrador.