Um dia de março com muita chuva.
Quando se sentou à mesa do café sentiu-se mais calma. O bater lento e repetido da chuva, na janela, devolvera-lha o bater mais certo do coração. Secava as mãos na saia, pediu um café, meio copo de água, lembrou-se que um cigarro saber-lhe-ia bem. Lembrou-se da sombra do fumo do cigarro nas suas mãos. Olhou através da chuva. Olhou através das pessoas. Não esperava ninguém. Entrara para beber um café e dar uma folga ao coração. O café estava vazio. Só a sua mesa estava ocupada. Os bolos no balcão enxiam-se de moscas. “Aqui está o seu café, o copo de água, minha senhora. Sessenta cêntimos, se fizer a fineza” Faria a fineza, moedas certas. Não precisaria de troco.”Muito obrigada e volte sempre”, ela ainda não bebera o café e o empregado já estava a mandá-la embora. Iria. Quando lhe apetecesse. Poderia até nem beber o café, com um pouco de água, como era seu hábito. Poderia. Poderia até nem ter entrado naquele café. Teria escolhido outro. Chovia, o coração batia muito depressa e ela precisava de se sentar. Uns minutos, apenas uns minutos. Há horas que deambulava pela cidade, antes de começar a chover. Decidira andar. Descer e subir ruas. Olhar a cara das pessoas. Ver-se no rosto dos outros. Olhar-lhes as roupas. Ver-lhes os olhos. Atrasar-se para a solidão. Bebeu o café, soube-lhe mal, estava frio. Não pediria outro. Ficou sentada mais um bocado, olhou para a rua. O passeio molhado. Gente apressada. Chapéus de plástico cobriam a cabeça das pessoas. Jornais e pastas a proteger algumas carecas. “Vou ficar toda encharcada, não tenho guarda-chuva, perdi o chapéu. A chuva na cara não me fará mal nenhum,” falava sozinha, baixinho, só para que ela ouvisse Pouca coisa lhe poderia fazer mal. Faria de conta que estava à espera que parasse de chover para sair do café. Entraram mais pessoas. Um casal de velhos, duas adolescentes, uma senhora mais composta.”Se soubessem como o café sabia mal! Menos mal, pediram chá de limão, coca-colas uma água sem gás”. Olhou o relógio. Seis horas em ponto. Quando fossem seis horas e cinco minutos, levantar-se-ia, comporia a gola da gabardine, agarraria na mala com as duas mãos e sairia. Estava mais serena. Mais infeliz. Mais triste. Mais só. Ela soube, no momento em que ele lhe ligou, para se encontrarem, para lhe explicar, mais uma vez, as suas razões, que ele não apareceria. “Quero explicar-te o que sinto por ti. Quero dizer-te o quanto foste, és, importante na minha vida. Beberemos um café, um chá, o que tu quiseres”. Foi nesse instante: “O que tu quiseres”, dissera ele. O que ela quisesse, ela percebeu que ficaria sentada à espera dele.”O que tu quiseres”, dissera-lhe, ao ouvido no outro lado do telefone. E, nesse instante, ela também, percebeu que não esperaria por ele muito tempo. Nesse instante, ela também percebeu, apesar da mágoa, que não queria nunca: “O que tu quiseres, um café, um chá o que tu quiseres. O que tu quiseres, um café, um chá” Já não queria nada. Já não o queria. Não queria. Atrasara-se três minutos. Eram seis horas e oito minutos, quando agarrou a mala com as duas mãos e saiu. Parara de chover. Atravessaria a rua para apanhar o autocarro. Agora, sim, beberia os cafés, os chás que quisesse. Entretanto anoitecera. “Curioso. Arrumei em três horas a infelicidade de quase uma vida”. Tirou o bilhete pré-comprado, do bolso, entrou no autocarro. Estava cheio, cheirava a pessoas, a álcool e a humidade, mas isso não a incomodou. Não a incomodou. “Tenho de engraxar as botas quando estiverem bem secas.”[…]“ Quer sentar-se aqui? Eu saio na próxima”.
Linda David
Quando se sentou à mesa do café sentiu-se mais calma. O bater lento e repetido da chuva, na janela, devolvera-lha o bater mais certo do coração. Secava as mãos na saia, pediu um café, meio copo de água, lembrou-se que um cigarro saber-lhe-ia bem. Lembrou-se da sombra do fumo do cigarro nas suas mãos. Olhou através da chuva. Olhou através das pessoas. Não esperava ninguém. Entrara para beber um café e dar uma folga ao coração. O café estava vazio. Só a sua mesa estava ocupada. Os bolos no balcão enxiam-se de moscas. “Aqui está o seu café, o copo de água, minha senhora. Sessenta cêntimos, se fizer a fineza” Faria a fineza, moedas certas. Não precisaria de troco.”Muito obrigada e volte sempre”, ela ainda não bebera o café e o empregado já estava a mandá-la embora. Iria. Quando lhe apetecesse. Poderia até nem beber o café, com um pouco de água, como era seu hábito. Poderia. Poderia até nem ter entrado naquele café. Teria escolhido outro. Chovia, o coração batia muito depressa e ela precisava de se sentar. Uns minutos, apenas uns minutos. Há horas que deambulava pela cidade, antes de começar a chover. Decidira andar. Descer e subir ruas. Olhar a cara das pessoas. Ver-se no rosto dos outros. Olhar-lhes as roupas. Ver-lhes os olhos. Atrasar-se para a solidão. Bebeu o café, soube-lhe mal, estava frio. Não pediria outro. Ficou sentada mais um bocado, olhou para a rua. O passeio molhado. Gente apressada. Chapéus de plástico cobriam a cabeça das pessoas. Jornais e pastas a proteger algumas carecas. “Vou ficar toda encharcada, não tenho guarda-chuva, perdi o chapéu. A chuva na cara não me fará mal nenhum,” falava sozinha, baixinho, só para que ela ouvisse Pouca coisa lhe poderia fazer mal. Faria de conta que estava à espera que parasse de chover para sair do café. Entraram mais pessoas. Um casal de velhos, duas adolescentes, uma senhora mais composta.”Se soubessem como o café sabia mal! Menos mal, pediram chá de limão, coca-colas uma água sem gás”. Olhou o relógio. Seis horas em ponto. Quando fossem seis horas e cinco minutos, levantar-se-ia, comporia a gola da gabardine, agarraria na mala com as duas mãos e sairia. Estava mais serena. Mais infeliz. Mais triste. Mais só. Ela soube, no momento em que ele lhe ligou, para se encontrarem, para lhe explicar, mais uma vez, as suas razões, que ele não apareceria. “Quero explicar-te o que sinto por ti. Quero dizer-te o quanto foste, és, importante na minha vida. Beberemos um café, um chá, o que tu quiseres”. Foi nesse instante: “O que tu quiseres”, dissera ele. O que ela quisesse, ela percebeu que ficaria sentada à espera dele.”O que tu quiseres”, dissera-lhe, ao ouvido no outro lado do telefone. E, nesse instante, ela também, percebeu que não esperaria por ele muito tempo. Nesse instante, ela também percebeu, apesar da mágoa, que não queria nunca: “O que tu quiseres, um café, um chá o que tu quiseres. O que tu quiseres, um café, um chá” Já não queria nada. Já não o queria. Não queria. Atrasara-se três minutos. Eram seis horas e oito minutos, quando agarrou a mala com as duas mãos e saiu. Parara de chover. Atravessaria a rua para apanhar o autocarro. Agora, sim, beberia os cafés, os chás que quisesse. Entretanto anoitecera. “Curioso. Arrumei em três horas a infelicidade de quase uma vida”. Tirou o bilhete pré-comprado, do bolso, entrou no autocarro. Estava cheio, cheirava a pessoas, a álcool e a humidade, mas isso não a incomodou. Não a incomodou. “Tenho de engraxar as botas quando estiverem bem secas.”[…]“ Quer sentar-se aqui? Eu saio na próxima”.
Linda David
Um comentário:
Agora que reli o texto, assim, às claras,no blogue,apercebi-me de alguns erros de pontuação, de sintaxe e repetições desnecessárias. Terei de ser mais cuidadosa.Precisarei de treinar mais - a escrita exige disciplina, muito trabalho e concentração.
Que me desculpem os leitores!
Linda David
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