PORQUE SOU REPUBLICANA?
Filomena Barata
Filomena Barata
Editado em:
Filomena Barata
PORQUE SOU REPUBLICANA?
Tendo-se comemorado o 104º ano da implantação da República, e porque lamentavelmente este já não é assinalado entre os feriados oficiais, mais me faz recordar os motivos porque sou efectivamente republicana.
Poderia resumi-lo assim:
É muito simples: porque acredito que a Sabedoria; a Força e a Beleza não são hereditárias mas uma Construção.
Todos nós podemos ser sábios, belos e fortes!
É muito simples: porque acredito que a Sabedoria; a Força e a Beleza não são hereditárias mas uma Construção.
Todos nós podemos ser sábios, belos e fortes!
Não posso esquecer ainda que, para além de muitas outras questões em que, do meu ponto de vista, o novo regime permitiu a consolidação de valores universais como a Igualdade, Liberdade e Fraternidade, gostaria hoje de relembrar o fomento do ensino e da formação como um dos mais fortes investimentos feitos pela República, em prole da Cidadania e das Mulheres.
Mas o que, particularmente, desejo salientar é o papel que as mulheres desempenharam na implantação da I República e o que, posteriormente, puderam desempenhar, se bem que exigindo grande empenho e luta, pois muitas das medidas que preconizaram acabaram por não se concretizar totalmente, nomeadamente o Sufrágio Universal que algumas acalentaram como esperança na República.
Assim, servindo-me da obra «Mulheres e Republicanismo» passo a citar Ana de Castro Osório, fundadora da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas:
«Foi a mulher republicana quem educou muitos dos republicanos de hoje, foi a mulher que detestava a monarquia corrupta quem mais seguramente preparou este surdo estado de revolta, em que a sociedade portuguesa tem vivido …(…).
A revolta da mulher levou anos a explodir, mas nem por isso foi menos firme, nem por isso menos nociva ao velho estado de coisas.
Mas quando em Portugal a mulher, que é atavicamente modesta e presa a preconceitos, pôde reunir-se numa agremiação, como a nossa, ostensivamente política e de propaganda social, é que o regimen se devia ter considerado morto. Não era pelo mal que nós lhe podíamos fazer, mas era pelo que representava de sintomático para a monarquia em descalabro. Que eles avaliaram bem a força moral que a liga representava, prova-o o ódio que lhes votaram os reaccionários, o ridículo que sobre ela quiseram lançar, a guerra desleal e ignóbil que nos moveram individual e colectivamente. (…)
A República precisa de nós; não lhe regatearemos o nosso apoio. Defendamo-la dos seus inimigos, defendamo-la dela própria se alguma vez fraquejar no seu caminho rasgadamente progressivo e libertador.(…)
Não o esqueçamos! O povo português precisa de nós, que somos as suas mulheres, as mães dos cidadãos de amanhã, as educadoras, as companheiras livres numa sociedade libertada».
Não o esqueçamos! O povo português precisa de nós, que somos as suas mulheres, as mães dos cidadãos de amanhã, as educadoras, as companheiras livres numa sociedade libertada».
“Eu (…) quero a República como libertação e felicidade para as mulheres, visto que a humanidade é composta dum só grupo de animais, indiferentemente masculinos ou femininos”.
Citação a partir de: Mulheres e Republicanismo (1908-1928), João Gomes Esteves
E repetiria eu, “a República ainda precisa de nós”.
Não me prenderei, portanto, aos inúmeros estudos felizmente já existentes e publicados sobre este tema a que, entre tantos outros investigadores, se têm dedicado acerrimamente Natividade Monteiro, quer com a sua obraMemórias de Maria Veleda, quer outros trabalhos desta especialista em Estudos sobre as Mulheres; de João Gomes Esteves com o seu notável trabalho sobre «Mulheres e republicanismo (1908-1928)» também entre muitos outros; ou de Maria Alice Samara; Isabel Baltazar, designadamente no trabalho «Operárias e Burguesas. As Mulheres no tempo da República», editado em Faces de Eva, nº19; de Isabel Losada de que destaco a obra Perfil de uma pioneira: Adelaide Cabete (1867-1935), Livros República, Associação Cedro/Fonte da Palavra, 2011 e cuja obra também se espelha no belíssimo blogue da autora Mulheres, Poesia, Literatura http://lousadaisabel.wordpress.com/
ou ainda o notável trabalho desenvolvido pelo Projecto Faces de Eva - Centro de Estudos sobre a Mulher, uma unidade de investigação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, bem como a sua revista, não esquecendo o trabalho de Zília Osório de Castro e mesmo o empenho de divulgação sistemático desenvolvido por Cristina Duarte de Duarte no seu blogue «Cidade das Mulheres»,http://acidadedasmulheres.blogspot.pt, mas tentarei fazer somente através da vida de algumas dessas mulheres o espelho do que representa para mim a República no feminino.
Num belíssimo artigo intitulado «Quando as feministas influenciaram o poder», publicado em 2010 no Jornal Público, datado de 27/08/2010, http://www.publico.pt/temas/jornal/quando--as-feministas-influenciaram--o-poder-19991625, a jornalistaSão José Almeida faz uma belíssima resenha sobre o papel da Mulher na transição do século XIX para o XX e ainda sobre os primeiros anos da República. Apoiar-me-ei nesse texto para, em conjunto com todos os trabalhos que tive a possibilidade de consultar acima referidos, poder manifestar o apreço pela luta dessas mulheres que contribuíram também, pelo seu exemplo, para que eu seja republicana.
Refere a autora do artigo mencionado que, em 18 de Maio de 1906, é criada a Secção Feminista da Liga Portuguesa da Paz em sessão realizada na Sociedade de Geografia, em Lisboa que consistiu na «Conferência sobre o Problema feminista, proferida por Olga de Morais Sarmento, feminista monárquica, que dirigiu esta associação ao lado de figuras como Emília Patacho, Domitília de Carvalho e Virgínia Quaresma.
Em Dezembro desse ano, nasce uma segunda associação feminista que ainda junta monárquicas e republicanas. (…) Reúne figuras como Magalhães de Lima, Alice Pestana, Carolina Michaelis de Vasconcelos, Jeanne Paula Nogueira e Olga Morais Sarmento. E também Carolina Ângelo e Adelaide Cabete, que deixarão a organização em 1909.
Em 1907 é fundado o Grupo Português de Estudos Feministas, por Ana de Castro Osório, para doutrinar as mulheres. É ainda uma organização pacifista, mas já maçónica e republicana. No ano seguinte, o Grupo de Estudos dissipa-se e integra a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP) fundada em 1909 e que dura até 1919. A Liga é apadrinhada por figuras maiores do Partido Republicano e do Grande Oriente Lusitano Unido (GOLU): António José de Almeida, Bernardino Machado e Magalhães Lima, que será grão-mestre entre 1907 e 1928».
De cariz claramente republicano, a Liga empenha-se em defender a Lei do Divórcio, a revisão do Código Civil e Direito da Família e direitos sociais.
Fundada pelas quatro grandes feministas (Carolina Ângelo, Adelaide Cabete, Castro Osório e Maria Veleda), torna-se, como bem refere São José Almeida no seu artigo, a maior e mais influente organização feminista, acrescentando que a «sua abrangência manteve no seu seio tensões entre mulheres com concepções opostas sobre a questão religiosa e sobre o sufragismo. Essa tensão foi personalizada por Ana de Castro Osório, mais moderada, não revolucionária, sufragista, partidária do voto só para as mulheres da elite e seguidora da tolerância religiosa, e Maria Veleda, que defendia a revolução antes do 5 de Outubro, o voto igualitário e que era anticlerical».
Da vida de todas estas mulheres de condições socio-económicas diferentes; de profissões diferenciadas, ou mesmo com posicionamentos políticos que, por vezes, as acabaram por distanciar, saliento, contudo a comum determinação pelos ideais que abraçaram, a vontade de fazer vingar os direitos iguais e uma maior equidistância social, o papel que tiveram como professoras, formadoras, jornalistas, panfletárias, escritoras ou médicas.
Carolina Beatriz Ângelo afirmaria em 1911, em entrevista dada a O Tempo
Carolina Beatriz Ângelo afirmaria em 1911, em entrevista dada a O Tempo
"Reclamaria todas as medidas que considero necessárias para modificar a situação deprimente em que se encontra a mulher, (...) [entre elas] conseguir a igualdade de salários, quando a mulher produza tanto como o homem."
Notável é o exemplo de Carolina Beatriz Ângelo que desafiou o poder político sendo a primeira mulher a votar por se sentir nesse direito, pois era letrada e “chefe de família” por ser viúva.
Persistentemente não desistiu das dificuldades que lhe foram colocadas e acabou por conseguir exercer o direito ao voto na Assembleia Eleitoral de Arroios, a 28 de Maio de 1911.
Além de ser sido a única participar no escrutínio, salientou-se por ter sido também a única que defendeu o serviço militar obrigatório para as mulheres, defendendo que estas desempenhassem funções administrativas, enfermagem, em serviço de ambulâncias, nas cozinhas, entre outras.
Na sua carreira médica destaca-se o facto de ter sido a primeira mulher portuguesa a operar no Hospital de São José, sob a direcção de Sabino Maria Teixeira Coelho. Exerceu funções como médica no Hospital de Rilhafoles, sob a orientação de Miguel Bombarda, e dedicou-se à Ginecologia.
Mas a atividade profissional de Beatriz Ângelo nunca deixou de se compaginar com uma intervenção política e social intensa e marcante, pois foi uma das principais activistas da sua época, defensora dos direitos das mulheres, da sua emancipação e do sufrágio feminino, tornando-se uma figura central no feminismo português ligado ao pensamento republicano que teve outras grandes referências como a médica ginecologista Adelaide Cabete (1867-1935); a escritora Ana Castro Osório (1872-1935) e a professora Maria Carolina Frederico Crispim (1871-1955), que ficou conhecida como Maria Veleda.
A vida desta última que, por contingências várias, foi de particular dificuldade é um exemplo de coragem e persistência e um exemplo para a República.
Sobre esta extraordinária mulher, afirma Maria José Franca:
«Há 104 anos, Maria Veleda já tinha começado a sua luta (desde 1905) em prol da República e dos ideais de «Liberdade, Igualdade, Fraternidade». Participou no «5 de outubro de 1910». Sofreu, chorou, também foi feliz. Viveu com intensidade todos os momentos da sua vida»
«Há 104 anos, Maria Veleda já tinha começado a sua luta (desde 1905) em prol da República e dos ideais de «Liberdade, Igualdade, Fraternidade». Participou no «5 de outubro de 1910». Sofreu, chorou, também foi feliz. Viveu com intensidade todos os momentos da sua vida»
Empenhou-se pelo direito das mulheres ao sufrágio universal, efectuando petições, discursos e chefiando delegações junto dos Órgãos de Soberania.
Foi dirigente da " Liga Republicana das Mulheres Portuguesas", entre 1910 e 1915. Era anti -clericalista, o que lhe casou muitos dissabores, quer pela facção mais conservadora da Igreja, quer pelos adeptos da Monarquia e por se sentir próxima das classes mais desfavorecidas fazia palestras para as mulheres operárias.
Após a revolução republicana fez parte de um grupo chamado " Pró-Pátria" que percorreu o país em defesa do regime implantado.
“Eu tinha uma ardente esperança no futuro; e a minha propaganda era iluminada pelo clarão abençoado na fé num mundo novo, liberto de injustiças – um mundo sobre que a Fraternidade desdobrasse o seu manto protector.” (na defesa dos ideais da República)
Maria Veleda, cit. in «Memórias de Maria Veleda» de Natividade Monteiro
Na fotografia:
Grupo das Treze, fundado por Maria Veleda, em Maio de 1911, para combater a superstição. Em 1.º plano, sentadas a partir da direita: Judite Pontes Rodrigues, Carolina Amado, Ernestina Pereira Santos, Lídia de Oliveira, Maria Veleda, Antónia Silva e Adelina Marreiros. Em 2.º plano, em pé: Honorata de Carvalho, Mariana Silva, Filipa de Oliveira, Berta Vilar Coelho, Lénia Loyo Pequito e Carolina Rocha da Silva. (Foto legendada por Natividade Monteiro in «Memórias de Maria Veleda»
Por sua vez, Adelaide Cabede, de origem bastante humilde e órfã começou a trabalhar muito nova na apanha da ameixa e trabalho de serviço doméstico em casas ricas de Elvas.
Tendo contraído matrimónio com o Sargento Manuel Fernandes Cabete, que era republicano, este torna-se uma figura central na sua vida, tendo-a lançado na militância republicana e feminista e a incentivado a estudar. E é em 1889, com vinte e dois anos que faz o exame da instrução primária tendo, em 1894, finalizado o curso liceal.
Tendo contraído matrimónio com o Sargento Manuel Fernandes Cabete, que era republicano, este torna-se uma figura central na sua vida, tendo-a lançado na militância republicana e feminista e a incentivado a estudar. E é em 1889, com vinte e dois anos que faz o exame da instrução primária tendo, em 1894, finalizado o curso liceal.
Em 1895, mudam-se para Lisboa, onde se matriculou no ano seguinte na Escola Médico-Cirúgica, concluindo o curso em 1900 com a tese dedicada à Protecção às Mulheres como meio de promover o desenvolvimento físico das novas gerações, tornando acabado por ser obstetra e ginecologista.
Adelaide Cabede participou activamente na propaganda que antecedeu a mudança de regime em 5 de Outubro de 1910, escrevendo contra a Monarquia e os Jesuítas, sendo notórios os seus ideais republicanos, também aplicados no interior da Liga Republicana das Mulheres, a que esteve ligada.
Foi uma das principais feministas portuguesas do século XX e, durante mais de vinte anos, presidiu ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, tendo reivindicado para as mulheres o direito a um mês de descanso antes do parto, e, em 1912, o direito ao voto feminino, sendo em 1933 a primeira e única mulher a votar, em Luanda, a Constituição Portuguesa. Desempenhou um notável papel como pacifista, abolicionista e humanista.
Mas não posso esquecer, tanto mais que a História não lhe deu tanta relevância, Alda Guerreiro, oriunda de uma família com tradição no campo das artes e letras (seu pai era pintor), nascida em Santiago do Cacém, em 1878.
O seu ambiente familiar favoreceu o desenvolvimento de uma grande sensibilidade e espírito crítico social, tornando-se uma notável poetisa.
A sua obra não foi ainda compilada e publicada em livro, encontrando-se, por isso, ainda dispersa por jornais e revistas da época, pese o trabalho que o historiador João Madeira lhe tem vindo a dedicar.
Alda Guerreiro que conviveu com a época de uma enorme agitação política, na sequência das lutas partidárias – desde o regicídio do rei D. Carlos, passando pela implantação da República até ao período conturbado que se seguiu - pertenceu à geração dos intelectuais do séc. XIX e, tal como eles, aderiu à causa republicana. O seu nome ficou também ligado ao ensino, tendo fundado inclusivamente uma escola primária em sua casa. Desempenhou assim um papel fundamental na educação, tendo-se pautado por reconhecer a necessidade de formação das mulheres e do ensino popular.
Republicana convicta, desenvolveu uma actividade notável como escritora, jornalista e pedagoga a bem dos valores que defendia.
E porque urge cumprir a República, partilho um dos seus poemas, terminando.
O seu ambiente familiar favoreceu o desenvolvimento de uma grande sensibilidade e espírito crítico social, tornando-se uma notável poetisa.
A sua obra não foi ainda compilada e publicada em livro, encontrando-se, por isso, ainda dispersa por jornais e revistas da época, pese o trabalho que o historiador João Madeira lhe tem vindo a dedicar.
Alda Guerreiro que conviveu com a época de uma enorme agitação política, na sequência das lutas partidárias – desde o regicídio do rei D. Carlos, passando pela implantação da República até ao período conturbado que se seguiu - pertenceu à geração dos intelectuais do séc. XIX e, tal como eles, aderiu à causa republicana. O seu nome ficou também ligado ao ensino, tendo fundado inclusivamente uma escola primária em sua casa. Desempenhou assim um papel fundamental na educação, tendo-se pautado por reconhecer a necessidade de formação das mulheres e do ensino popular.
Republicana convicta, desenvolveu uma actividade notável como escritora, jornalista e pedagoga a bem dos valores que defendia.
E porque urge cumprir a República, partilho um dos seus poemas, terminando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário