sexta-feira, setembro 13

Circe, Natália Correia



A propósito da releitura de uma escrita brilhante, de uma mulher que no céu ainda deve reunir à sua volta todos os amantes sem temor, e os fazedores de palavras e estórias, espreitei um dos meus livros de sempre, o Diccionário da Mitologia.
Que nos céus de todas as religiões continue a haver lugar às magias!

Circe - A maga grega, filha de Hélio e de Perseide, a Oceânide. «Dotada de poderes extraordinários, capaz de fazer descer do céu as estrelas, ela distinguia-se na preparação de filtros, de venenos, de poções próprias para transformar os seres humanos em animais».

Mas amanhã voltarei aos encantos dessa mesma Circe que Ulisses não conseguiu enganar ...

Hoje lembro ainda o teu fantástico «Auto-retrato» que tantas vezes já li:





Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exilio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

Natália Correia

Bilhete para um amigo ausente, Natália Correia (reeditado de Março 2000)



Teu luar de ontem na cintura

é ainda o vestido que trago

seda imaterial seda pura

de criança afogada no lago.


Os motores que entre nós aceleram

os vazios comboios de sonho

das mulheres que estão à espera

são o único luto que ponho.

Natália Correia

Natália Correia (reeditado de 26.07.2009)


Ser navegador ... Ser navegador

Não é termos sido é sermos ainda

É irmos a Vénus ou seja onde for

Espetar os cornos onde o espaço finda.


É haver Camões como uma revolta

E haver Gil Vicente como um desafio

A esse Encoberto que nunca mais volta

Porque é o pretexto do nosso vazio.


(...)


É a Liberdade como a luz para onde

Corre a alegria da cabra

E o povo é a sede e a Pátria é a fonte

Trabalho do sangue que não mais acaba.


Natália Correia, Poemas a Rebate